Os debates religiosos frequentes muitas vezes colocam em
destaque na agenda pública questões éticas e morais, como aborto,
homossexualidade e religiosidade. No Brasil, o tema do fundamentalismo tem sido
discutido amplamente, especialmente devido aos questionamentos e reflexões mais
profundas sobre conceitos tradicionais, muitos dos quais são baseados na
mensagem bíblica. A defesa de princípios absolutos e imutáveis enfrenta
resistência diante de um mundo cada vez mais pluralista e relativista.
Defender a fé tornou-se um desafio para aqueles que optam
por viver de acordo com os princípios e valores estabelecidos na Palavra de
Deus. As escolhas que fazemos na vida, refletidas em nosso comportamento
diário, são influenciadas por nossas cosmovisões - um conjunto de conceitos,
crenças e valores que usamos para compreender a nós mesmos, aos outros e ao
mundo ao nosso redor. Uma vez que uma pessoa define sua cosmovisão, ela
desenvolve sua fé naquilo em que acredita ser correto.
No entanto, o mundo pós-moderno tende a questionar a
defesa de uma fé baseada em absolutos, visto que as constantes mudanças do
relativismo são consideradas inevitáveis. Portanto, é importante entender
detalhadamente o conceito de fé para diferenciá-lo de outros conceitos e
determinar até que ponto essa convicção pode ser considerada fundamentalismo,
no sentido original do termo. A pós-modernidade, embora seja tolerante em
relação a diferentes manifestações religiosas, tende a ser implacável e
intolerante quando se trata da defesa de uma fé religiosa em um Deus único e
imutável, rotulando seus seguidores como "fundamentalistas" de forma
negativa.
A fé, no âmbito religioso, engloba tanto a crença
intelectual como a confiança e o compromisso num relacionamento. Ela envolve
uma demonstração de confiança, especialmente na figura de uma outra pessoa, que
no caso religioso seria Deus.
De acordo com Grenz (1999. p.57), os autores bíblicos não
fazem uma distinção clara entre fé como crença e fé como confiança. Eles
consideram que a verdadeira fé inclui tanto o que se acredita (por exemplo, que
Deus existe, que Jesus é o Filho de Deus) quanto o compromisso com uma pessoa
digna de confiança e capaz de salvar, ou seja, a confiança na pessoa de Cristo
como meio de salvação.
O termo "fé" tem suas origens nas palavras
hebraicas, gregas e latinas, que foram traduzidas nas Escrituras. Por exemplo,
em Hebreus 11:1, a fé é descrita como o firme fundamento das coisas que se
esperam e a prova das coisas que não se veem.
Segundo Andrade (1999, p.156), a fé é a confiança depositada em todas
as providências de Deus. É a convicção de que Ele está no controle de tudo e
capaz de manter as leis que estabeleceu. É também a crença de que Sua Palavra é
verdadeira e a tranquilidade depositada no plano de salvação estabelecido e
executado por Seu Filho na Cruz.
A Profunda Natureza da Fé.
O Dicionário Vine
(2002, p. 648) analisa a origem do termo "fé" (pistis), destacando
sua inicial significação como "convicção firme", fundamentada no
ouvir (relacionado a peithõ, "persuadir"). No Novo Testamento, a
"fé" é frequentemente associada à confiança em Deus, em Jesus e em
questões espirituais, abrangendo diversos significados, tais como:
(a) Confiança: Refere-se à confiança em Deus e em
questões espirituais, sendo mencionada em diversas passagens, como (Rm 3.25, 1Co
2.5, Gl 3.23), entre outras.
(b) Fidelidade: Também denota lealdade e fidelidade, como
evidenciado em (Mt 23.23 e Gl 5.22).
(c) Aquilo em que se crê: Representa o conteúdo da fé,
como visto em (At 6.7 e Gl 1.23).
(d) Base para a "fé": Refere-se à garantia,
certeza e penhor de fidelidade, conforme mencionado em (At 17.31 e 1Tm 5.12).
Vine ressalta que os principais elementos da
"fé" em relação ao Deus invisível, contrastados com a "fé"
no homem, incluem uma convicção firme na revelação ou verdade de Deus, entrega
pessoal a Ele e uma conduta inspirada por essa entrega. A fé de Abraão, por
exemplo, estava em Deus mesmo, não apenas em Suas promessas (Rm 4.17, 20-21).
Esses diferentes aspectos da fé são destacados dependendo do contexto,
contrastando com a convicção puramente natural, desprovida de evidência
adequada.
Na análise de Buckland, (2007. p.874), a fé não é uma
atitude irracional, mas sim o resultado de uma revelação que permite ao
indivíduo experimentar um relacionamento com seu Deus. Em contraste, a liquidez
do mundo atual muitas vezes considera essa confiança como uma ilusão, incapaz
de ser comprovada, e atribui a ela um conceito de limitação diante de uma
infinidade de caminhos. Essa visão, que menospreza a experiência da fé, pouco
contribui para a formação de um indivíduo saudável e relevante para o mundo em
que vive.
A relação entre o homem e Deus envolve tanto a fé quanto
a fidelidade. A fidelidade é resultado da confiança depositada em Deus, uma
relação que é muitas vezes incompreendida por aqueles que não vivem essa
experiência. Tenney (2008. p. 776-777), destaca que a fé e a fidelidade são
correlativas, pois a fé do homem responde e é sustentada pela fidelidade de
Deus, e a fé deveria levá-lo à fidelidade.
A ideia de fé pode mover-se da atitude subjetiva de confiança
para a fé objetiva, aquela revelada por Deus através de ação, palavra e sinais
para ser crida. Na Bíblia, a iniciativa divina é enfatizada, mostrando que o
Deus vivo deseja entrar em relacionamento com os homens e demonstrou ser digno
de sua confiança. A fé, como demonstrada no Antigo Testamento, é uma
necessidade, mas é incompleta sem a plena possibilidade através de Cristo no
Novo Testamento.
Quando alguém questiona a existência de Deus, muitas
vezes não consegue compreender a dimensão da fidelidade e da própria fé. Essa
incompreensão leva muitos a considerarem tal comportamento como equivocado e
cego, muitas vezes rotulando-o como fruto da ignorância cultural e científica.
Viver em uma sociedade que despreza o absoluto e rejeita a fé é um desafio que
exige convicções cada vez mais profundas.
A fé está intrinsecamente ligada a valores que
fundamentam a existência humana, os quais se expressam concretamente em uma
ideologia. Enquanto a fé trata do sentido último, a ideologia lida com a
eficácia na realização desses valores. Essas são dimensões humanas diferentes e
complementares. Nessa perspectiva, a fé é vista como insubstituível, enquanto a
racionalidade humana permite lutar por justiça e libertação dentro das
coordenadas sociopolíticas concretas.
A defesa desses valores muitas vezes é vista como
manifestação de alienação ou intolerância religiosa. O relativismo filosófico,
incapaz de aceitar a ideia de valores imutáveis, muitas vezes milita contra
aqueles que acreditam neles. Na impossibilidade de concordância em valores e
princípios na prática da vida individual, uma firme posição de pensamento pode
ser rotulada de fanatismo ou fundamentalismo, de forma equivocada e distorcida
do seu significado original.
O termo "fundamentalismo" é geralmente entendido
como a atitude de um grupo que se baseia em diretrizes tradicionais e as
defende de forma absoluta. No entanto, é importante definir a intensidade e
influência com que essa defesa é exercida. Um fundamento radical e totalitário,
por exemplo, terá consequências correspondentes. Atualmente, ser considerado
fundamentalista significa ser visto como intransigente, exclusivista e incapaz
de viver plenamente na sociedade, ao contrário do que era visto na história
antiga, onde o fundamentalista era muitas vezes louvado pela defesa firme de
seus ideais.
O Fundamentalismo Teológico: Uma Oposição ao
Liberalismo.
O termo "fundamentalismo" passou a ser aplicado de forma ampla a
todas as formas de conservadorismo, segundo Lieth, (2018).
Ele afirma que qualquer pessoa que defenda sua posição com entusiasmo e
veemência é rotulada como "fundamentalista". A falta de precisão nos
contornos desse conceito torna mais fácil caracterizar algo ou alguém como
fundamentalista.
Grupos de cristãos protestantes conservadores nos Estados
Unidos da América adotaram essa designação no início do século XX. Entre 1909 e
1915, foi publicada uma série de textos chamada "Os Fundamentais - um
testemunho em favor da Verdade" (2008, p. 452-456), que vendeu mais de
três milhões de exemplares nos Estados Unidos. Essa série de textos deu origem
a um movimento formado por grupos conservadores evangélicos, conhecido como
fundamentalismo protestante. Esse movimento teve um grande impacto nos Estados
Unidos e logo se espalhou para outros continentes e países.
Na história, o fundamentalismo foi observado como um
contraste com o liberalismo. Champlin (2013. p.829), destaca que o
fundamentalismo foi um movimento protestante e teológico que se opôs ao
liberalismo teológico. O termo "fundamentalismo" é sinônimo de
conservadorismo estrito e foi usado para fazer oposição não apenas ao
liberalismo, mas também a formas mais livres de evangelicalismo. Homens como
B.B. Warfield, James Orr, H.C.O. Moule e G. Campbell Morgan deram origem a uma
interpretação estrita e literalista da Bíblia, como demonstrado em "Os
Fundamentais". O fundamentalismo rejeita os métodos e conclusões da
crítica bíblica histórica, surgida após a Iluminação, e se assemelha à teologia
evangélica anterior à Iluminação, embora com algumas diferenças.
Em termos gerais, Galindo destaca que o fundamentalismo é
uma tendência dentro das tradições judaica, cristã e muçulmana, que surge como
uma reação mais ou menos violenta contra mudanças culturais. Para alguns
estudiosos, o fundamentalismo serve como base para ideais radicais e
extremistas, atraindo pessoas autoritárias que buscam respostas simplistas e
moralizantes em um mundo percebido como dominado por forças malignas.
Apesar de ser marcado por uma defesa extrema de ideais, o
movimento fundamentalista contribui de diversas formas para o desenvolvimento
do pensamento e da discussão teológica. Além de alertar sobre erros na cena
religiosa, o fundamentalismo tem se mostrado anticomunista e promove a
fidelidade à Palavra de Deus. Em resumo, o fundamentalismo é uma ação que se
opõe a valores antibíblicos e anticristãos ao longo da história.
CONCLUSÃO:
A teologia é uma disciplina que busca compreender e
interpretar as verdades fundamentais da fé religiosa, utilizando métodos de
análise crítica e reflexão sobre fontes sagradas, tradições e experiências
religiosas. Seu objetivo principal é promover um conhecimento mais profundo e
uma compreensão mais clara do divino, possibilitando uma vivência mais
autêntica da espiritualidade.
Para alcançar seus objetivos, a teologia é dividida em
várias subdisciplinas, cada uma focando em aspectos específicos da fé e da
religião. Isso inclui a teologia exegética, que se concentra na interpretação
das escrituras sagradas; a teologia histórica, que estuda o desenvolvimento da
doutrina ao longo do tempo; a teologia dogmática, que trata das doutrinas
fundamentais da fé; a teologia bíblica, que analisa os temas e conceitos
encontrados na Bíblia; e a teologia sistemática, que organiza e sintetiza as
doutrinas em um sistema coerente.
No contexto pentecostal, a teologia é influenciada pela
ênfase na experiência do Espírito Santo e nos dons espirituais. Isso se reflete
em uma abordagem mais dinâmica e prática da teologia, buscando uma conexão
íntima entre a doutrina e a experiência religiosa.
A importância de "fazer" teologia é destacada
pela necessidade de uma compreensão mais profunda e informada da fé, que pode
orientar a prática religiosa e promover o crescimento espiritual. A teologia é
essencial para a igreja, pois fornece uma base sólida para o ensino e a
pregação, ajudando os fiéis a entenderem melhor sua fé e a responderem aos
desafios contemporâneos.
As fontes da teologia incluem as escrituras sagradas, a
tradição da igreja, a razão humana e a experiência religiosa. O teólogo, por
sua vez, desempenha um papel crucial na interpretação e aplicação dessas
fontes, buscando integrar a fé com a vida cotidiana e promover um diálogo
construtivo entre a religião e a cultura.
Por fim, é importante distinguir entre doutrina e
religião, reconhecendo que a doutrina é uma expressão articulada da fé,
enquanto a religião engloba práticas, rituais e instituições que refletem essa
fé. No entanto, o fundamentalismo teológico pode distorcer essa distinção,
levando a interpretações rígidas e exclusivistas da doutrina, em detrimento da
verdadeira fé e compreensão espiritual. Assim, é essencial cultivar uma
abordagem equilibrada e aberta à teologia, que valorize a diversidade de
perspectivas e busque uma compreensão mais profunda e inclusiva da fé
religiosa.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Dicionário Teológico. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.
BUCKLAND, A.R. "Fé”. Dicionário Bíblico Universal. São Paulo: Vida, 2007.
GRENZ, Stanley J. et al. Dicionário de Teologia. São Paulo: Vida, 1999.
TENNEY, Merrill C. Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã. Volume 5. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
VINE, W.E. et. al. Dicionário Vine - Significado Exegético e Expositivo das Palavras do Antigo Testamento e do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
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