QUEM SÃO OS FILHOS DE DEUS E AS FI-LHAS DOS HOMENS (GÊNESIS 6.1-8)?

Resposta.


Esta passagem de Gênesis tem sido objeto de intenso debate entre os teólogos, e ainda hoje há uma extensa controvérsia em torno dela.

Um aspecto central desse problema está relacionado ao significado da frase "os filhos de Deus".

Existem três interpretações principais desses textos. Uma delas defende que os "Descendentes de Caim" são representados pelas filhas dos homens, enquanto os "Piedosos Descendentes de Sete" são identificados como os filhos de Deus (versículo 4). Outra interpretação é a dos "Déspotas". E a terceira interpretação é a dos "Anjos Caídos".

PRIMEIRA Anjos caídos.

Anjos caídos são mencionados na Bíblia como filhos de Deus, conforme descrito em Jó 1.6; 2.1; 38.7 e Daniel 3.25. Acredita-se que estes anjos, ao se relacionarem com mulheres, deram origem aos gigantes mencionados no Antigo Testamento. Os descendentes destes anjos incluem os Emins (Gn 14.45), os filhos de Anaque (Nn 13.33), os Zanzumins (Dt 2.20), os Refaim (Dt 3.11) e os Gibor (Js 2.4; Js 12.4; 13.12; 1 Sm 17.45-47. 2 Sm 21.6,18,20,222; 1 Cr 20.4,6,8). No entanto, é importante notar que estes descendentes não devem ser confundidos com os gigantes mencionados em Gênesis 6.4. De acordo com Champlin, a expressão "Filhos de Deus" em Isaías 43.6 não se limita apenas a esses seres na Bíblia. No Novo Testamento, "filhos de Deus" é usado em referência a seres humanos, como visto em João 1.12, Romanos 8.14, Filipenses 2.15, 1 João 3.1 e Apocalipse 21.7.[i]. No NT “filhos de Deus” ocorre em referência a seres humanos, cf., (Jo 1.12; Rm 8.14; Fl 2.15; 1 Jo 3.1 e Ap 21.7). BROADMAN (1987) comentou que os estudiosos consideram como base para os anjos que atuaram nos dias de Noé as referências em 2 Pedro 2.4: "Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o Juízo"; e Judas 1.6: "e aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao Juízo daquele grande Dia". Ryrie (1991) comenta estes textos, enquanto Green (1983) alega que Pedro talvez tenha sido influenciado pelo acréscimo ao relato de Gênesis feito no Livro de Enoque, assim como faz o Evangelho segundo Pedro do século II. Green também sugere que Pedro pode estar aludindo a passagens em Enoque sobre o castigo dos anjos, tais como x.4-6; xviii.ll-xxi.10. (GREEN, 1983, p.94),[ii]  Alguns intérpretes sugerem que o texto se refere a uma lenda. De acordo com Champlin, os anjos não têm sexo, como Jesus mesmo afirmou (Mt 22.30). Mesmo que os anjos fossem capazes de se reproduzir, sendo espíritos imateriais, é difícil imaginar como poderiam produzir espermatozoides para a procriação física (CHAMPLIN, Enciclopédia Vol., 2, p.904). Além disso, é importante destacar que não há harmonia teológica ou linguística na relação entre Judá 6 e Gênesis 6.2,4, pois em nenhum momento Judá 6,7 faz referência aos filhos de Deus mencionados em Gênesis 6.2. Outro ponto a considerar é a necessidade de provar que os anjos de Gênesis são os anjos caídos antes de afirmar que são eles. Se assumirmos que são os anjos caídos, como poderiam ser filhos de Deus? Será que Satanás é filho de Deus? Em nenhum lugar a Bíblia afirma que Satanás é filho de Deus. Em Jó 1.6, os filhos são anjos bons, e em Jó 2.1, não se menciona que Satanás é filho. O capítulo 38.7 também não fala de anjos maus. A expressão "filhos de Deus" em nenhum texto bíblico se refere a anjos maus.    

De acordo com a teoria de serem anjos, estaremos apoiando a crença de que a mitologia grega descreve os titãs como seres híbridos nascidos da união entre Urano, representando o Céu, e Gaia, representando a Terra, dando origem a semideuses como Hércules e outros. Beacon comentou que em nenhuma parte das Escrituras há descrição de seres divinos corrompendo a humanidade, pois sempre agem de forma benéfica em suas relações com os humanos. Jesus foi claro ao afirmar que os ressuscitados "nem casam, nem são dados em casamento; mas serão como os anjos no céu" (Mt 22.30). (BEACON, p45)[iii]. Clarke afirma que os filhos de Deus, (Gn 6) e não anjos, como alguns têm interpretado. (CLARKE, vol. 1, p.58). Gostaria de partilhar um comentário citado por Clarke. "O Dr. Wall sugere que os primeiros versos deste capítulo devem ser parafraseados da seguinte forma: "Quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, os líderes tomaram esposas de todas as belas mulheres pobres que escolheram. Houve tiranos na terra naqueles dias, e também, depois dos dias antediluvianos, homens poderosos tiveram relações ilegais com mulheres inferiores, e as crianças que surgiram desse comércio ilícito foram os famosos heróis da antiguidade, dos quais os pagãos fizeram seus deuses." (CLARKE, vol. 1, p.58)[iv].

SEGUNDA –  Política.

Alguns estudiosos tentaram definir a expressão "os filhos de Deus" comparando-a com as línguas do antigo Oriente Próximo. É curioso saber que alguns líderes eram identificados como filhos de um deus em particular. No Egito, por exemplo, o rei era chamado de filho de Rá[1].

No Antigo Testamento, a palavra hebraica para Deus, Elohim, é usada para se referir a homens em posição de autoridade. Por exemplo, em Êxodo 21.6, é dito: "Então, o seu senhor o levará aos juízes que agirão em nome de Deus", conforme o comentário à margem da NASV.

Além disso, encontramos no Salmo 82.1 a afirmação de que "Deus assiste em Sua própria congregação; Ele julga em meio aos governantes", sendo que a palavra hebraica traduzida como "Deus" aqui pode se referir também a governantes ou autoridades. Essa interpretação, assim como a interpretação dos anjos caídos, remonta à antiguidade.

Segundo essa proposta, os "filhos de Deus" mencionados em Gênesis seriam nobres, aristocratas e reis. Esses líderes ambiciosos almejavam poder e riqueza, desejando alcançar fama e renome, como vemos em Gênesis 11.4. Seu pecado não seria uma questão de casamento misto entre diferentes grupos ou mundos, mas sim o desejo de poligamia e a formação de haréns, uma prática comum entre os déspotas orientais da antiguidade. Dessa forma, os "filhos de Deus" teriam transgredido seu papel como guardiães das ordenanças de Deus ao praticarem a poligamia e desrespeitarem as leis divinas para a conduta humana.[2]

No âmbito de Génesis 4 e 5, encontramos algumas evidências que podem ser interpretadas como apoio à perspetiva sobre os déspotas.. Por exemplo, Caim edificou uma cidade e deu a ela o nome de seu filho Enoque (Gênesis 4.17), sugerindo um ambiente urbano propício para o estabelecimento de dinastias. Além disso, Lameque é mencionado como tendo duas mulheres (Gênesis 4.19), o que, embora não constitua necessariamente um harém, pode ser visto como um passo nessa direção. Essa interpretação também define "as filhas dos homens" como mulheres em geral, e não apenas as filhas da linhagem de Caim.

No entanto, essa interpretação provavelmente não teria sido concebida sem os "problemas" criados pela posição sobre os anjos caídos. Embora os reis pagãos fossem frequentemente considerados como filhos de alguma divindade, nenhum rei israelita foi designado dessa forma. Embora nobres e algumas autoridades tenham sido ocasionalmente chamados de "deuses", não foram referidos como "filhos de Deus". Essa interpretação parece ignorar a definição precisa fornecida pelas Escrituras.

Para além disso, a noção de homens ávidos de poder, que procuram estabelecer uma dinastia através da formação de um harém, parece ser forçada nesta passagem. É questionável quem teria tirado essa ideia do próprio texto, a menos que a impusesse a ele. Além disso, a definição dos nefilins como meros homens violentos e tirânicos também parece inadequada, especialmente considerando a forma como são mencionados com deferência em outros versículos (cf. Gênesis 6.11, 12). Apesar de a interpretação dos déspotas ser menos violenta em relação ao texto do que a dos descendentes de Sete e Caim, ainda assim parece não ser apropriada. (Bob, 2020).[v]

TERCEIRA Espiritual

Os "filhos de Deus" referem-se aos descendentes de Sete, assim como às mulheres e homens em geral, sem estabelecer uma distinção entre a linhagem de Caim (cuja genealogia começa em Gênesis 4.17) e a linhagem de Sete (genealogia a partir de Gênesis 5.3), que se uniram em casamento com as filhas ou filhos de ambos os lados, como tem sido o caso desde Noé até hoje. Um exemplo disso é Esaú (Gênesis 26.34; 36.2; Juízes 14.7-16; Esdras 10.17; Malaquias 2.11). Embora alguns afirmem que em nenhum lugar os descendentes de Sete são chamados de "os filhos de Deus", também em nenhum lugar os anjos maus são mencionados como filhos de Deus.

Embora existam passagens que descrevam anjos comendo (Gênesis 18.1-8), aparecendo na forma de homens "de guerra" (Josué 5.13-15), e lutando (Gênesis 32.22-32), não há menção deles tendo relações. Mesmo que alguém argumente que em Gênesis 6.2 eles tiveram relações, o texto e o contexto não afirmam isso claramente. O texto indica que os homens "tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram" (ARA) ou "escolheram as que eles quiseram e casaram com elas" (NTLH). Além disso, esses homens conviviam com as mulheres, enquanto todos os anjos mencionados na Bíblia passam pouco tempo com os seres humanos.

Outro ponto a ser considerado em Gênesis 6.4 é que "havia gigantes na terra naquele tempo" (ou seja, antes dos filhos de Deus terem relações com as filhas dos homens), e também depois, quando os filhos de Deus tiveram relações com as filhas dos homens e estas lhes deram filhos. Esses gigantes foram os heróis dos tempos antigos, homens famosos. Em todo o contexto de Gênesis, não há menção de anjos, apenas de homens.

V. 3 “O meu Espírito não agirá para sempre no homem

V. 5 “Viu o SENHOR que a maldade do homem

V. 6 “então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem

V. 7 “Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito” Aqui menciona toda a criação excerto o anjo.

V. 13 “Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens... ”.

V. 17 “dilúvio sobre a terra para consumir toda carne

Cap. 7.21 “Pereceu toda carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de animais domésticos e animais selváticos, e de todos os enxames de criaturas que povoam a terra, e todo homem”. Aqui menciona toda a criação excerto o anjo.

V.22 “Tudo o que tinha fôlego de vida em suas narinas, tudo o que havia em terra seca, morreu”.

Vamos considerar o seguinte: se afirmarmos que os gigantes surgiram devido à relação entre anjos e mulheres, então não deveríamos ter visto gigantes na história humana (após o dilúvio). como os Emims (Gênesis 14.5), os filhos de Anaque (Números 13.33), os Zanzumins (Deuteronômio 2.20), os Refains (Deuteronômio 3.11), e os Gibborins (Josué 2.4; 12.4; 13.12; 1 Samuel 17.45-47; 2 Samuel 21.6, 18, 20, 22; 1 Crônicas 20.4, 6, 8). Além disso, o texto de Gênesis 7.22 confirma que ninguém escapou do dilúvio, o que sugere que os gigantes não poderiam ter sobrevivido.

Outro ponto a ser observado é que só é mencionada uma queda de anjos. Se os "filhos de Deus" em Gênesis 6 fossem anjos, então estaríamos afirmando que houve duas quedas de anjos.

Uma outra interpretação é que os "filhos de Deus" eram seres espirituais influenciando os descendentes de Sete a se unirem com os descendentes de Caim, como vemos ao longo da história humana, onde os demônios têm tentado influenciar os crentes a se unirem de forma desigual na família. Neste caso, não seriam anjos propriamente ditos, mas sim seres espirituais influenciando os seres humanos.

No entanto, é reconfortante saber que o texto de Judas 1.6,7 e 2 Pedro 2.4 está a referir-se a Génesis 6.2,4, pois os anjos caídos nunca foram chamados de filhos de Deus na Bíblia. Se olharmos para os textos que falam de anjos como filhos de Deus, referem-se aos anjos bons. 

Vamos analisar. 1) Anjo não tem sexos, Mateus 22.29,30, ao analisarmos este texto entendemos que as paixões e os apetites sexuais são especificamente manifestações do corpo e não dos anjos celestiais. E precisa de esperma; até hoje a ciência não consegue gerar filho se não for com esperma do homem.  2) Não foi da união entre os "filhos de Deus” e as “filhas dos homens” que nasceram os gigantes. Pelo contrário. Eles já existiam antes desse acontecimento. Vejamos. “Havia, naqueles dias, gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os varões de fama” (6.4). 3) os descendentes de Sete “invocavam o nome do Senhor", tal como o próprio Sete (4.26). Ou seja, possuíam comunhão com Deus. Andavam com Deus, como Enoque (5.22-24). 'Acharam graça diante do Senhor", como Noé (5.29; 6.8). E obtiveram “testemunho de que agradaram a Deus e se tomaram herdeiros da justiça que é segundo a fé" (Hb 11.5,7). 4) nenhum anjo do sexo feminino é mencionado nas Escrituras”. Comentado pela Bíblia apologética 2018[vi].



[1] “No antigo Egito, o rei era conhecido como o filho de Ra (o deus-sol). O rei Sumério-Acadiano era considerado descendente da deusa e de um dos deuses, e essa ligação com a divindade remonta aos primórdios, de acordo com Engell. Uma inscrição refere-se a ele como "o rei, o filho do seu deus". O rei Hitita era chamado de "filho do deus-tempo", e o título de sua mãe era Tawan-nannas (mãe do deus). Na região semítica noroeste, o rei era diretamente chamado de filho de deus, e o deus era chamado de pai do rei. O texto Ras Shamra (Ugarítico) Krt refere-se a deus como pai do rei e o rei Krt como Krt bn il, o filho de el ou o filho de deus. Assim, com base no uso semítico, o termo "filhos de deus" ou "filhos dos deuses" provavelmente refere-se aos governantes da dinastia de Gênesis 6. Fonte: An Exegetical Study of Genesis 6:1-4, Journal of the Evangelical Theological Society, XIII, inverno 1970, pp. 47-48, como citado por Kober, p. 19.

[2] Kober, p. 16, citando Birney, p. 49 e Kline, p. 196.



[i] CHAMPLIN, p.58.

[ii] Green, Michael. M. A., B. D. Introdução e Comentário 2Pedro e Judas. Ed. Mundo Cristã, 1983.

[iii] LIVINGSTON, George Herbert, B.D., Ph.D. Comentario de Beacon.Vol.1 – Pentateuco. CPAD. 4a Impressão/2012.

[iv] CLARKE, AT,  vol. 1. p 58.

[v] BOB, Robert L. Disponível em: < https://bible.org/seriespage/os-filhos-de-deus-e-filhas-dos-homens-g%C3%AAnesis-61-8> acessado em: 08 Fev. 2020.

[vi] Bíblia Apologética. Instituto Cristão de Pesquisas. 2º Ed. 2005. 

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