A eclesiologia, o estudo da Igreja na perspectiva bíblica e teológica, desempenha um papel central na compreensão do propósito e da missão divina para o povo de Deus. Este artigo explora os fundamentos do conceito de "igreja", destacando o significado, os usos da palavra e sua relação com outros temas teológicos.
1. O Significado do Conceito de Igreja
A. Considerações Negativas
A Igreja não é uma extensão do Judaísmo
Embora exista uma continuidade na história da redenção que
liga os santos de todas as eras, a Igreja não pode ser confundida com o
Judaísmo ampliado. O apóstolo Paulo descreveu a Igreja como “um novo homem”
(Efésios 2:15), algo totalmente inovador, formada por judeus e gentios unidos
em Cristo.
A Igreja não é o Reino de Deus, apesar de frequentemente
associado, o conceito de Igreja e Reino são diferentes. O Reino de Deus
representa Seu domínio soberano sobre toda a criação, enquanto a Igreja é
descrita na Bíblia como a "Noiva de Cristo", uma comunidade especial
com identidade e propósito exclusivo no plano divino.
B. Significado e Usos da Palavra Igreja
Definição Literal
A palavra "igreja" deriva do termo grego ekklesia
, que significa literalmente "assembleia" ou "grupo chamado para
fora".
Usos na Escritura
Na Bíblia, o termo "igreja" é empregado em
diferentes contextos:
A assembleia de Israel: Em Atos 7:38, refere-se ao povo de
Israel reunido no deserto.
Reuniões pagas:
Por exemplo, em Atos 19:32, 39, 41, descrevendo ajuntamentos cívicos.
O Corpo de Cristo:
Em Colossenses 1:18, aplica-se à Igreja universal formada por todos aqueles que
creram em Cristo.
Igrejas locais: Como em 1 Coríntios 1:2, refere-se a
congregações específicas de crentes organizados localmente.
C. O Corpo de Cristo
No sentido espiritual, a Igreja é o "Corpo de
Cristo", um organismo vivo em que Jesus é a cabeça (Colossenses 1:18).
Esse Corpo inclui todos os regenerados desde o evento de Pentecostes, que
marcou o início da Igreja, até o futuro arrebatamento. Este conceito destaca a
unidade espiritual dos crentes, independentemente de diferenças culturais ou
geográficas.
D. O Sentido Local da Igreja
A Igreja também é entendida em seu aspecto local como uma
comunidade de crentes em Jesus Cristo. Essas congregações locais são formadas
por pessoas que professam fé em Cristo, são batizadas em Seu nome e
organizam-se com a missão de cumprir a vontade de Deus. A Igreja local desempenha um papel essencial na inspiração,
discipulado e evangelização.
A Igreja Local: Organização e Estrutura
A Igreja local, como extensão prática do Corpo de Cristo,
possui uma organização específica descrita nas Escrituras. Esta estrutura
garante a ordem, promove o crescimento espiritual e facilita a missão divina
por meio de líderes capacitados e servos dedicados. Abaixo, exploraremos os
aspectos principais dessa organização.
E. Liderança: Os Presbíteros
Significado e distinções
O termo "presbítero" refere-se à posição de
liderança na igreja. É usado de maneira intercambiável com "bispo" e
"pastor" no Novo Testamento, mas cada termo enfatiza um aspecto
diferente do papel:
Presbítero:
Enfatiza a carga e a experiência.
Bispo: Destaca a
função como supervisor das atividades e da doutrina.
Pastor: Foca no
dom de cuidar e nutrir o rebanho, conforme Atos 20:28.
Número de presbíteros
O Novo Testamento indica que cada cidade possuía uma
pluralidade de presbíteros (Atos 14:23). No entanto, as igrejas menores, como
as que se reuniam em casas, poderiam ter apenas um ou mais líderes conforme as
necessidades locais (1 Timóteo 3:1-7).
Deveres dos presbíteros
Os presbíteros
possuem diversas responsabilidades, incluindo:
Presidir com zelo, liderando com sabedoria e cuidado (1
Timóteo 5:17).
Defenda a sã doutrina e refute falsos ensinamentos (Tito
1:9).
Qualificações dos presbíteros
As Escrituras estabelecem qualificações rigorosas para os
presbíteros, como irrepreensibilidade, atualização espiritual e habilidades
para ensinar (1 Timóteo 3:1-6; Tito 1:7-9).
Ordenação
O reconhecimento formal de presbíteros ocorre por meio da ordenação, que envolve a oração e a imposição de mãos, conforme descrito em 1 Timóteo 4:14 e Tito 1:5.
F. Servos da Igreja: Os Diáconos
Significado do termo
O termo "diácono" vem do grego diakonos , que
significa "servo". Eles são auxiliares fundamentais na vida prática
da igreja.
Qualificações dos diáconos
Os diáconos devem ser pessoas de caráter persistente,
tementes a Deus e exemplares em conduta (1 Timóteo 3:8-10, 12-13).
Deveres dos diáconos
Os diáconos auxiliam os presbíteros em tarefas práticas e administrativas, permitindo que os líderes se concentrem no ensino e na oração (Atos 6:1-6). Além disso, são reconhecidos como um grupo oficial na igreja, conforme observado em Filipenses 1:1.
G. A Existência de Diaconisas
O Novo Testamento sugere a presença de mulheres ocasionais na igreja. Algumas passagens justificam a existência de diaconisas:
Romanos 16:1: Refere-se a Febe como "serva" ou
"diaconisa" da igreja em Cencreia.
1 Timóteo 3:11: Menciona mulheres com qualificações
semelhantes aos diáconos, ou que algumas interpretam como uma referência a
diaconisas.
Embora existam debates teológicos sobre o alcance do ofício, essas mulheres desempenham claramente papéis importantes na assistência e no cuidado dentro da igreja local.
2. Igreja Local: Suas Ordenanças
As ordenanças são práticas simbólicas e fundamentais determinantes por Jesus Cristo para serem observadas por Sua Igreja. Elas servem como testemunha visível da graça de Deus, unindo os crentes na fé comum e fortalecendo seu compromisso com o Senhor. As Escrituras descrevem duas ordenanças principais: a Ceia do Senhor e o Batismo.
1. Definição de Ordenanças
Ordenanças são ritos externos que Cristo instituiu para a edificação da Igreja. Embora sejam frequentemente chamadas de “sacramentos” em algumas tradições, o termo sacramento implica uma comunicação direta de graça ao participante, uma noção que varia de acordo com as interpretações teológicas.
2. A Ceia do Senhor
a. A Ordem da Ceia
Jesus Cristo tentou a celebração da Ceia do Senhor na última refeição com Seus discípulos. Este evento foi detalhado por Paulo em 1 Coríntios 11:23-26, onde o apóstolo reafirma a prática como memorial da morte de Cristo até Sua volta.
b. Significado da Ceia
A Ceia do Senhor
tem sido interpretada de diferentes maneiras ao longo da história do
cristianismo:
Memorial:
Representa a recordação do sacrifício de Cristo na cruz, enfatizando que os
elementos são símbolos.
Consubstanciação
(perspectiva luterana): Os elementos do pão e do vinho coexistem com o
corpo e o sangue de Cristo de forma misteriosa.
Transubstanciação
(perspectiva católica romana): O pão e o vinho transformam-se literalmente
no corpo e no sangue de Cristo.
Presença espiritual
(perspectiva calvinista): Cristo está presente espiritualmente na Ceia,
sendo os elementos pão e vinho símbolos que apontam para essa presença.
c. Frequência da Celebração
A frase "todas as vezes que o fazerem" (1
Coríntios 11:26) indica uma prática repetida. Na Igreja primitiva, a Ceia
parece ter sido celebrada semanalmente, como sugere Atos 20:7. Porém, a
periodicidade varia entre as compras modernas, sem prescrições nas Escrituras.
3. O Batismo
a. O Significado do Batismo
O batismo simboliza a identificação do crente com Cristo e
com a comunidade da fé. Ele representa uma associação pública com a mensagem do
Evangelho e a submissão ao senhorio de Cristo.
b. Formas de Batismo e Argumentos contra a Imersão
Embora a interpretação seja a prática mais comum e
consistente com o significado do termo grego baptizo ("mergulhar" ou "submergir"), algumas
tradições adotam a aspersão ou derramamento. Os argumentos apresentados por
essas tradições incluem:
Sentido secundário de
batismo: O termo pode ser usado para significar "colocar sob a
influência de", justificando práticas como aspersão ou derramamento.
Símbolo da vinda do
Espírito Santo: A aspersão é vista por alguns como uma representação mais adequada
do Espírito Santo descendo sobre o crente, como em Atos 2.
Contexto prático:
Situações como o batismo de 3.000 pessoas em Atos 2:41 ou de indivíduos em
locais isolados (Atos 8:38) podem ser vistas como mais viáveis por aspersão
do que por imersão.
As ordenanças da Ceia
do Senhor e do Batismo são marcas inconfundíveis da Igreja local. Eles não
apenas apontam para a obra redentora de Cristo, mas também fortalecem a
identidade comunitária e espiritual dos crentes. Compreender o significado e as
diferentes interpretações dessas práticas nos ajuda a respeitar a rica
diversidade de tradições cristãs, mantendo o foco no essencial: a glorificação
de Cristo e a edificação de Seu corpo, a Igreja.
Conclusão
O estudo da eclesiologia nos proporciona uma
compreensão mais profunda do propósito, da natureza e da organização da Igreja.
Como Corpo e Noiva de Cristo, a Igreja desempenha um papel singular na
realização do plano redentor de Deus na história. Seja por meio da liderança
fiel dos presbíteros e diáconos, ou pela prática das ordenanças que celebram
nossa união com Cristo, a Igreja reflete a glória de Deus e proclama o Evangelho ao mundo.
Com uma estrutura cuidadosamente delineada nas Escrituras, a
Igreja local destaca-se como um meio ordenado por Deus para a adoração,
discipulado e missão. Assim, ao reconhecermos a centralidade da Igreja no plano
divino, somos desafiados a viver como testemunhas fiéis e ativos participantes
desta comunidade que pertence ao Senhor Jesus.
Que esta reflexão nos inspire a valorizar e investir em
nossas igrejas locais, contribuindo
para que continuem sendo faróis da graça divina e instrumentos do Reino de Deus na Terra.
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