Por Paul Freston no seu livro "Nem Anjos, Nem Demônios - Paul Freston" 2 edição 1994, pp 67-97
A Assembleia de Deus e as Três Ondas do Pentecostalismo
Brasileiro
O desenvolvimento do protestantismo no Brasil atingiu um
padrão histórico que pode ser compreendido em três grandes ondas de impacto: o
calvinismo, o metodismo e, por fim, o pentecostalismo. Cada uma dessas ondas
alcançou níveis sociais e culturais diferentes, com o pentecostalismo tendo a
penetração mais abrangente entre as camadas populares e nas regiões onde as
tradições protestantes anteriores tiveram menor impacto.
David Martin observa que:
"A dissidência protestante... vem em três ondas
[calvinista, metodista e pentecostal]... em níveis [sociais] cada vez mais
baixos. O metodismo não se expande onde as igrejas calvinistas oficiais foram
bem-sucedidas , [e] se restringe basicamente ao ambiente anglo-saxão... O
pentecostalismo se expande onde o metodismo e o calvinismo pouco penetraram: as
sociedades católicas da Europa latina e da América Latina, e as áreas dominadas
por lojas oficiais luteranas” (Martin, 1978a, p. 9-11).
Esses movimentos refletiram a adaptação do protestantismo às
condições culturais e sociais das localidades, com o pentecostalismo tendo se
estabelecido de forma significativa no Brasil, em grande parte devido à sua
abordagem voltada para as massas e à sua ênfase no carisma religioso.
Esta breve análise contextualiza a ascensão das igrejas
pentecostais como uma influência tanto social quanto religiosa, marcando
profundamente o cenário da fé cristã no Brasil.
A Negligência Histórica no Estudo do Pentecostalismo
Brasileiro
O pentecostalismo brasileiro, com mais de 80 anos de
história e aproximadamente 13 milhões de adeptos, permanece cuidadoso de uma
abordagem acadêmica abrangente de sua trajetória. Essa lacuna afeta diretamente
o entendimento sociológico das características. Como alerta Joachim Wach (1944,
p. 2), a ausência de uma análise histórica sólida deixa o sociólogo desamparado
em suas investigações.
Embora já existam estudos sincrônicos de qualidade, eles não
são suficientes para capturar plenamente o movimento em sua dinâmica histórica.
Por exemplo, a obra História Documental do Protestantismo Brasileiro (Reily,
1984), apesar de seu volume específico de 400 páginas, dedica apenas 17 páginas
ao pentecostalismo e praticamente ignora a Assembleia de Deus — a maior
denominação protestante do país —, exceto pelo registro de seu episódio de
fundação.
Outros trabalhos, como os de Souza (1969) e Rolim (1985),
exploram a diversidade dos grupos pentecostais, mas pouco se aprofundam na
evolução histórica do movimento. Esse descuido acadêmico com o aspecto
histórico pode refletir, em última análise, um desprezo inconsciente pelas
consequências, resultando em uma abordagem incompleta e limitada.
Para compreender o impacto do pentecostalismo na sociedade
brasileira, é necessário preencher essa lacuna histórica, oferecendo uma
análise que vai além de pontuais e sincrônicas. A memória do movimento, bem
como seu papel transformador, merece maior atenção e reconhecimento nas
investigações acadêmicas.
Pentecostalismo e a Tensão entre Investigação e Sentimento
Religioso
O protestantismo, como observa Wallis (1979, p. 211), não é
geralmente monolítico o suficiente para que se possa ter uma visão única e
válida de sua estrutura e comportamento. No entanto, nem todos os grupos
pentecostais se alinham perfeitamente ao tipo ideal de seita, como
frequentemente categorizado. Na verdade, o desconforto diante das investigações
externas não é um traço exclusivo das seitas, nem mesmo das religiões em geral.
Um exemplo dessa tensão pode ser encontrado na declaração do
periódico Mensageiro da Paz , que descreve o pentecostalismo como um
"movimento do Espírito Santo e, por conseguinte, imune aos
condicionamentos naturais das sociedades humanas." Embora essa perspectiva
teológica possa ser criticada por sua inclusão às influências socioculturais, o
sentimento expresso não é exclusivo dos pentecostais.
Essa resistência reflete uma compreensão espiritualizada do
movimento, que prioriza a ação divina sobre explicação humana. Contudo, para um
entendimento mais completo, é necessário um equilíbrio entre a vivência
religiosa e uma análise crítica que considere os fatores históricos, sociais e
culturais que moldam a frequência pentecostal.
A Necessidade de uma Leitura Sociológica do Pentecostalismo
Os textos religiosos de caráter doméstico, escritos para
edificação, frequentemente destacam o heroísmo e as decisões específicas
relacionadas aos seus protagonistas. Contudo, o normal e o cotidiano, que são
fundamentais para o trabalho sociológico, geralmente não recebem a mesma
ênfase. Para uma análise mais profunda, é essencial ler além das narrativas
extraordinárias, prestando atenção às "entrelinhas comuns", isto é,
reintroduzir os "heróis docéticos" em um contexto terreno e humano.
Os dados disponíveis sobre as lojas pentecostais, em muitos
casos, são fragmentários e insuficientes para reconstruir uma história
completa. Nessa relação, é necessário recorrer com cuidado a informações de
outros grupos religiosos semelhantes e às tipologias fornecidas pela sociologia
da religião. Esses modelos ideais ajudam a interpretar as características
pentecostais e suas instituições, orientando a análise para compreender tanto
os aspectos exclusivos quanto os cotidianos que moldam o movimento.
Apenas uma abordagem equilibrada, que um dos fatos
históricos e sociológicos com a riqueza simbólica das narrativas religiosas,
pode fornecer um retrato mais fiel do pentecostalismo brasileiro.
As Três Ondas do Pentecostalismo Brasileiro
A história do pentecostalismo brasileiro pode ser dividida
em três grandes ondas de implantação de igrejas, que refletem diferentes
períodos de expansão, fragmentação e transformação no cenário religioso
nacional.
Primeira Onda: Década de 1910
A primeira onda teve início nos anos 1910, com a fundação da
Congregação Cristã no Brasil (1910) e da Assembleia de Deus (1910). Ambas
surgiram com forte influência do movimento pentecostal iniciado nos Estados
Unidos e rapidamente se consolidaram como pioneiras no território brasileiro.
Durante décadas, a Assembleia de Deus manteve uma posição dominante, sendo
praticamente a única grande igreja pentecostal com expansão significativa,
especialmente nos estados do Norte, onde o protestantismo era quase inexistente
até então.
Além disso, a Assembleia de Deus se destacou por ser a
primeira grande igreja protestante a estabelecer raízes fora do eixo Rio-São
Paulo. Suas primeiras décadas marcaram a consolidação estratégica em regiões
que mais tarde foram cruciais no fluxo migratório nacional, o que contribuiu
para sua irradiação por todo o país.
Segunda Onda: Anos 1950 e Início dos 1960
A segunda onda ocorreu nas décadas de 1950 e início de 1960,
período marcado pela fragmentação do campo pentecostal e por uma maior
dinamização das relações com a sociedade. Durante esse período, surgiram
promoções de novas denominações, entre as quais três se destacaram:
Igreja do Evangelho Quadrangular (1951)
O Brasil para Cristo (1955)
Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962)
Esse período foi caracterizado pela intensidade
denominacional e pela popularização do movimento pentecostal em diferentes
regiões do Brasil, estabelecendo uma base diversificada que marcaria o cenário
evangélico por décadas.
Terceira Onda: Final dos Anos 1970 e Anos 1980
A terceira onda começou no final da década de 1970 e
consolidou-se nos anos 1980. Ela trouxe um caráter mais urbano, inovador e
adaptado ao contexto cultural da época. A representação mais expressiva desse
período é a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), seguida por outros grupos
significativos, como a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980).
Essas novas tendências se destacaram por introduzir
estéticas e estratégias de comunicação modernas, muitas vezes inspiradas em
modelos norte-americanos, e por enfatizar uma espiritualidade contextualizada
com o ambiente urbano e mediático. Essa terceira onda marcou um novo capítulo
no pentecostalismo brasileiro, com foco crescente em evangelismo de massa,
práticas inovadoras e interação com a cultura de consumo e entretenimento.
Em suma, o pentecostalismo brasileiro passou por ciclos
sucessivos de expansão e transformação, moldando-se a diferentes contextos
históricos, sociais e culturais, ao mesmo tempo em que ampliava sua influência
no cenário religioso nacional.
O Contexto da Inserção Histórica no Pentecostalismo
Brasileiro
Organizar o campo pentecostal em ondas históricas é uma
abordagem vantajosa por enfatizar tanto as características do movimento quanto
sua evolução ao longo do tempo. Essa perspectiva evidencia também como cada
igreja pentecostal carrega marcas específicas do período em que foi fundada,
refletindo as condições sociais, culturais e religiosas predominantes.
Bryan Wilson (1982, p. 106) observa que:
"As seitas tendem a ser mais influenciadas do que
percebem... pelas facilidades seculares prevalecentes. Isso ocorre porque a
capacidade de adaptação é uma fórmula essencial de sucesso para as seitas
modernas."
No caso do pentecostalismo, grupos fundados em diferentes
períodos refletem diferentes contextos históricos. A Assembleia de Deus dos
anos 1980, por exemplo, desfrutava de maior liberdade e se firmava em
comparação aos desafios enfrentados em sua fundação, na década de 1910. Ainda
assim, ao ser colocado em perspectiva com a Igreja Universal do Reino de Deus,
torna- fica evidente como os condicionamentos históricos influenciam a atuação
e as estratégias de cada grupo.
Essas dinâmicas mostram que a evolução do pentecostalismo
brasileiro não é apenas fruto de movimentos internos, mas também do impacto de
contextos seculares. A capacidade de adaptação e inovação frente a esses
cenários é uma das marcas centrais do pentecostalismo, contribuindo para sua
expressiva presença no Brasil.
Por que as Três Ondas do Pentecostalismo Brasileiro Surgem
nos Momentos Indicados?
A emergência das três ondas do pentecostalismo brasileiro
pode ser explicada por cruzamentos de fatores históricos, sociais e religiosos,
que proporcionaram o ambiente ideal para o surgimento e a consolidação dessas diferentes
etapas. Embora o crescimento do pentecostalismo como um todo não possa ser
completamente capturado por generalizações globais, algumas pistas específicas
podem ajudar a compreender sua evolução no Brasil.
Primeira Onda: Década de 1910
O contexto inicial da primeira onda corresponde ao momento
de origem mundial e à expansão do pentecostalismo para diferentes continentes.
Surgido no início do século XX, o movimento pentecostal chegou ao Brasil com a
fundação da Congregação Cristã no Brasil (1910) e da Assembleia de Deus (1910).
No entanto, a recepção inicial foi limitada. Até 1930, os
pentecostais representavam menos de 10% da população protestante brasileira,
concentrando-se principalmente nas comunidades protestantes de missão,
excluindo os luteranos. Esse período reflete as dificuldades iniciais de
limitações e adaptação do pentecostalismo em um cenário dominado pelo
catolicismo e pelo protestantismo histórico.
Segunda Onda: Anos 1950
Uma segunda onda surge em um período de rápida urbanização e
formação de uma sociedade de massas no Brasil, especialmente nos grandes
centros urbanos como São Paulo. Esse novo contexto rompe com os modelos
tradicionais de organização religiosa e cria espaço para inovações no campo
pentecostal.
O objetivo dessa transformação foi a chegada da Igreja do
Evangelho Quadrangular (1951), trazendo métodos ousados de evangelismo e
comunicação de massa diretamente inspirados pela Califórnia do período
entre-guerras — o berço dos modernos meios de comunicação.
Além disso, fatores geopolíticos desenvolvidos: após a
Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos redirecionaram sua atenção para a
América Latina, tanto no âmbito político quanto religioso, visto que grande
parte da mão de obra missionária foi deslocada da China após seu fechamento. No
entanto, quem inicialmente lucrou com esse novo modelo foi a Igreja Pentecostal
Brasil para Cristo (1955) , que conseguiu adaptar criativamente as estratégias
estrangeiras ao contexto cultural e nacionalista brasileiro.
Terceira Onda: Fim dos Anos 1970 e Anos 1980
A terceira onda surge em um contexto de crescente
globalização e urbanização nas últimas décadas do século XX. Ela não reflete
apenas uma continuidade dos fatores anteriores, mas também uma sofisticação
estratégica das igrejas pentecostais. Liderada por grupos como a Igreja
Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus
(1980) , essa fase trouxe elementos de inovação estética e organizacional, com
foco em evangelismo midiático, forte presença nos centros urbanos e uma
espiritualidade que dialogava diretamente com as necessidades de consumo
religioso das grandes massas.
Essas igrejas foram profundamente influenciadas pelo
contexto cultural brasileiro, apresentando uma estética urbana e carismática
que atraía grandes contingentes de pessoas em busca de esperança, cura e
ameaças.
Cada onda do pentecostalismo brasileiro emergiu em momentos
históricos específicos, marcados por mudanças no cenário social e cultural,
pela influência de movimentos religiosos internacionais e por transformações
nas dinâmicas internas da sociedade brasileira. O movimento evoluiu e se
adaptou, sempre encontrando maneiras criativas de crescer e consolidar sua
presença no Brasil. Essa evolução reflete tanto sua resiliência quanto sua
capacidade de atender às demandas espirituais e sociais do povo brasileiro ao
longo do tempo.
A Terceira Onda do Pentecostalismo e suas Origens
A Terceira Onda do Pentecostalismo Brasileiro
A terceira onda do pentecostalismo brasileiro emerge em um
contexto de mudanças estruturais no país, intensificadas pela modernização
autoritária promovida pelo regime militar. Esse período foi marcado por avanços
significativos na infraestrutura de comunicações e na urbanização que já abrangia
dois terços da população.
Por outro lado, o “milagre econômico” havia se exaurido,
dando lugar à crise econômica dos anos 1980, a chamada “década perdida”. Essa
fase também coincidiu com a decadência econômica e social do Rio de Janeiro, um
cenário marcado pela violência, pela influência das máfias do jogo e por
políticas populistas. Foi nesse ambiente de instabilidade e desamparo que as
igrejas como a Igreja Universal do Reino de Deus e outras denominações
semelhantes encontraram terrenos férteis para crescer. Essas tendências
trouxeram uma abordagem inovadora, adaptada às necessidades urbanas e
utilizando amplamente os meios de comunicação, especialmente a televisão e o
rádio.
Precursores do Pentecostalismo no Brasil
Embora o pentecostalismo popular como o tenha sido surgido
no início do século XX, o Brasil teve precursores de um protestantismo mais
místico em períodos anteriores. Dois personagens importantes se destacam:
José Manoel da Conceição (1822–1873)
Ex-padre que se tornou pastor presbiteriano em 1865,
Conceição defendeu uma reforma do catolicismo brasileiro. Ele sonhava com um
"cristianismo brasileiro" — evangélico, mas enraizado nas tradições e
hábitos populares. Contudo, sua visão o levou dos missionários presbiterianos,
resultando em sua exclusão.
Miguel Vieira Ferreira e a Igreja Evangélica Brasileira
(1879)
Rompendo com o presbiterianismo, Vieira defendeu uma
espiritualidade mais experiencial, afirmando que Deus ainda se comunicava
diretamente com as pessoas, uma ideia rejeitada pelos presbiterianos, que
enfatizavam uma autoridade exclusiva das Escrituras. No entanto, sua Igreja
Evangélica Brasileira foi formada por uma elite de ricos, visto que Vieira
vinha de uma família influente do Maranhão.
Limitações do Contexto Social para o Pentecostalismo Inicial
No Brasil do século XIX, as alternativas protestantes
limitavam-se a uma reforma interna da Igreja Nacional ou à introdução de
denominações protestantes voltadas às camadas livres e mais influentes da
sociedade. No entanto, as condições sociais e culturais do Império tornaram o
surgimento de um movimento como o pentecostalismo popular naquele momento, que
exigia um terreno preparado para uma experiência religiosa profundamente
emocional e acessível às massas.
A terceira onda do pentecostalismo encontrou no Brasil dos
anos 1980 um cenário de crise econômica e desilusão social que facilitou sua
expansão, especialmente em áreas urbanas. Embora as sementes de um cristianismo
mais místico tenham sido plantadas anteriormente por figuras como José Manoel
da Conceição e Miguel Vieira Ferreira, foi apenas no século XX, num contexto de
maior receptividade popular, que o pentecostalismo popular conseguiu se firmar
como uma força transformadora no cenário religioso brasileiro.
As Influências do Messianismo e do Pentecostalismo
Brasileiro
Os Movimentos Messiânicos no Brasil
Antes do pentecostalismo se consolidar como um dos maiores
movimentos religiosos do país, existiam os movimentos messiânicos, que podem
ser considerados uma forma de proto-pentecostalismo . Esses movimentos,
populares e independentes, frequentemente apresentavam manifestações de
carismas, como profecias e glossolalia, elementos posteriormente associados ao
pentecostalismo.
Os últimos grandes movimentos messiânicos brasileiros
coincidem historicamente com os primeiros passos do pentecostalismo, nos anos
iniciais do século XX. Contudo, fatores como o crescimento econômico contínuo
entre 1930 e 1980, a maior mobilidade social individual e a centralização
burocrática e militar do Brasil, especialmente a partir dos anos 1960, inibiram
o surgimento de novos movimentos messiânicos.
Com essas transformações, o pentecostalismo pode ser visto
como um redirecionamento histórico da articulação da desconformidade religiosa
, oferecendo uma via de importação, institucionalizada, produtiva e
aparentemente apolítica para a expressão do descontentamento social e
espiritual.
O Pentecostalismo como Movimento Importado
Embora o pentecostalismo brasileiro tenha incluído elementos
nacionais, como a espiritualidade popular e a tradição de resistência
religiosa, ele foi, de fato, um movimento originado nos Estados Unidos em 1906
, com o famoso avivamento da Rua Azusa, em Los Angeles.
As Raízes Genealógicas do Pentecostalismo
O Avivamento Metodista do Século XVIII
O metodismo, liderado por John Wesley, dinâmica o conceito
de uma "segunda obra da graça" , distinta da salvação inicial. Wesley
chamou essa experiência de "perfeição cristã", marcando o início de
um novo nível de santidade e compromisso com Deus.
Movimento de Santidade
Na segunda metade do século XIX, o movimento de santidade
adaptou o conceito wesleyano sob a influência cultural do Romantismo ,
promovendo uma experiência mais acessível e imediata, chamada de "batismo
no Espírito Santo" . Esse movimento popularizou a ideia de que a piedade
poderia ser intensificada por uma mística escapista, alinhando-se à
sensibilidade romântica da época.
O movimento de santidade impactou muitas denominações
tradicionais, mas também deu origem a pequenos grupos separatistas, focados em
santidade radical e renovação espiritual. Foi entre esses grupos que nasceram
no pentecostalismo, caracterizados por manifestações de carismas como cura,
profecia e glossolalia.
O Pentecostalismo no Brasil e suas Peculiaridades
Ao chegar ao Brasil, o pentecostalismo encontrou um terreno
fértil para crescer, mas se adaptou ao contexto nacional para incorporar
aspectos das tradições populares brasileiras, como o misticismo messiânico.
No entanto, diferentemente dos movimentos messiânicos, que
geralmente eram difusos e com resistência à institucionalização, o
pentecostalismo estruturava-se de maneira organizada, integrando-se ao processo
social e econômico. Essa transformação marcou sua diferença, permitindo que o
movimento se tornasse um dos mais expressivos religiosos do país.
O pentecostalismo brasileiro é fruto de múltiplas
influências, combinando suas raízes estadunidenses com elementos locais, como
os movimentos messiânicos e as tradições populares. Sua institucionalização e
adaptação às mudanças sociais e econômicas brasileiras permitiram que se
tornasse um movimento abrangente e influente, consolidando-se como uma força
religiosa relevante no cenário nacional.
O Surgimento do Pentecostalismo: Expectativa de Avivamento e
a Influência de Charles Parham e WJ Seymour
Expectativa do Fim do Mundo e o Avivamento
No final do século XIX, uma expectativa crescente estava
sendo alimentada em vários círculos religiosos, especialmente nos movimentos
evangélicos e pentecostais. Acreditava-se que o fim do mundo estaria próximo, e
que seria precedido por um grande avivamento espiritual, semelhante ao que se
acredita ter ocorrido na Igreja primitiva, com a manifestação do aparecimento
de glossolalia — o falar em línguas, teve como uma evidência do batismo no
Espírito Santo. Em meio a alguns exemplos esporádicos desse aspecto, essa
expectativa foi instrumental no surgimento de um movimento distinto: o
pentecostalismo.
Charles Parham e a Fórmula Doutrinária do Pentecostalismo
A doutrina fundamental que permitiu a consolidação do
movimento pentecostal foi proposta por Charles Parham, um educador do Kansas
que dirigiu uma escola bíblica. Por volta de 1900, ele desenvolveu a ideia de
que as características da glossolalia (o falar em línguas) seriam uma evidência
inequívoca do batismo no Espírito Santo. Parham formulou a concepção de que, ao
contrário de outras manifestações espirituais, as línguas seriam o sinal
visível da presença do Espírito.
Entretanto, embora Parham tenha sido responsável por
estabelecer a teoria doutrinária central, ele não foi o personagem central na
expansão internacional do movimento pentecostal. Além disso, sua visão estava
longe de ser inclusiva, já que Parham mantinha atitudes racistas, chegando a
permitir que seus alunos negros ouvissem suas aulas somente do lado de fora da
sala (Hollenweger 1986).
A Ascensão de WJ Seymour
O verdadeiro estopim do movimento pentecostal não veio de
Charles Parham, mas sim de um aluno negro de Parham, William J. Seymour .
Seymour, um batista nascido como escravo, cego de um olho e trabalhando como
garçonete, tinha uma visão mais inclusiva e missionária. Sua dedicação ao
avivamento pentecostal em Los Angeles, especialmente após ser influenciada por
Parham, foi o que realmente fez o movimento pentecostal se expandir além das
fronteiras locais, tornando-se um movimento de proporções internacionais.
Seymour é frequentemente lembrado como o verdadeiro pioneiro
do pentecostalismo moderno, particularmente pela liderança do famoso avivamento
da Rua Azusa , em Los Angeles, em 1906. O avivamento, que durou mais de três
anos e atraiu pessoas de todo o mundo, transformou uma pequena escola bíblica e
a experiência isolada de glossolalia em uma marca global de um movimento
transformador religioso.
O pentecostalismo, apesar de suas raízes em uma doutrina
estabelecida por Charles Parham, ganhou seu verdadeiro impulso e alcance
internacional graças à visão inclusiva e à liderança de WJ Seymour . A
expectativa de um grande avivamento, impulsionada por uma teologia fundamentada
na glossolalia, e a experiência vívida em Los Angeles, consolidaram o movimento
como um dos mais influentes da história religiosa mundial.
Rua O Avivamento de Azusa e a Expansão Inicial do
Pentecostalismo
Em 1906 , William J. Seymour foi convidado para pregar em
Los Angeles, uma cidade em grande crescimento, ideal para a propagação do
pentecostalismo. Seymour estava ligado à Igreja Santidade , que havia fomentado
a busca por uma experiência mais profunda com o Espírito Santo, descrita pelo
"batismo no Espírito Santo" e pela glossolalia. Seu ministério em Los
Angeles teve grande sucesso, levando-o a alugar um antigo armazém na Rua Azusa
, onde fundou a Missão de Fé Apostólica .
A prática da prática pentecostal e a localização estratégica
de Los Angeles, com sua grande diversidade, novidade étnica e sua posição de fronteira,
logo atraíram seguidores, incluindo muitos brancos. A liderança multiétnica e
multirracial da Missão de Azusa Street foi notável, destacando-se o fato de que
dos 12 dirigentes responsáveis, seis eram mulheres . Isso contrastava com a
estrutura das tradições tradicionais da época e refletia a natureza inclusiva e
igualitária dos primeiros tempos do movimento pentecostal, especialmente nas
suas interações raciais e de gênero.
O Pentecostalismo Inicial: Convivência Multirracial
A convivência multirracial e o forte papel das mulheres
negras e líderes negras nos primeiros anos do movimento foi uma característica
marcante. Pastores brancos do Sul dos Estados Unidos, predominantemente
protestantes e racistas, vinham de várias partes para participar das reuniões
em Los Angeles e buscavam as ministrações de líderes negros. Essa colaboração
inter-racial, tão rara e surpreendente na época, fez com que a Missão de Azusa
se tornasse um centro de propagação do pentecostalismo.
Entretanto, essa experiência multirracial não perdurou. O
movimento pentecostal, originalmente concebido como uma renovação das
tendências tradicionais, começou a se solidificar em grupos independentes ,
separados por disputas doutrinárias e teológicas. A segregação racial dentro
desses grupos também se manifestou rapidamente. No início, os brancos que
receberam a ordenação na Igreja de Deus em Cristo , uma organização de forte
presença negra, se separaram para fundar uma nova denominação : a Assembléia de
Deus . Fundada em 1914, essa nova igreja era predominantemente branca e
evidenciava a separação racial dentro do movimento pentecostal, que duraria a
maior parte de sua história.
Adventismo e a Expectativa do Fim do Mundo
Uma das características definidas do movimento pentecostal
inicial foi seu adventismo . Os primeiros pentecostais acreditavam que a
manifestação do Espírito, como a glossolalia, era um sinal visível da iminente
volta de Cristo . Para os primeiros pentecostais, essa experiência espiritual
serviu como uma prova de que a chegada do Reino de Deus estava perto. O
movimento se concentrou na evangelização e pregação , mas não investiu
fortemente na organização formal de igrejas, na construção de pastores e nas
missões resultantes, nem no estabelecimento de uma estrutura eclesiástica
profissionalizada. Os líderes vivem basicamente das contribuições avulsas dos
fiéis, sem mudanças fixas ou estabilidade.
No entanto, com o passar dos anos, a não concretização do
evento esperado — a segunda vinda de Cristo — fez com que a glossolalia
deixasse de ser vista apenas como um sinal da iminência do fim, para tornar-se
o centro da teologia pentecostal . A prática de falar em línguas começou a ser
reinterpretada e entendida como um dos marcos principais da experiência
espiritual do crente , solidificando a posição do pentecostalismo como um
movimento de renovação religiosa e não meramente um precursor de um fim
apocalíptico.
O movimento pentecostal que começou em Los Angeles, na Rua
Azusa, com uma base multirracial e inclusiva, experimentou uma expansão
dinâmica e transformadora. Entretanto, logo foi marcado por divisões raciais e
doutrinárias, enquanto a sua característica adventista cedeu lugar a uma ênfase
maior na experiência espiritual imediata , particularmente a glossolalia. Essa
transformação na teologia e na organização institucional continuou a moldar o
pentecostalismo ao longo das décadas seguintes, enquanto suas primeiras lições
de inclusão e renovação começaram a ser desafiadas pela realidade das
separações raciais e denominacionais.
A Elaboração Doutrinária e a Expansão do Pentecostalismo
A aparência da glossolalia em si — ou a prática de falar em
línguas — não era, na realidade, a novidade do movimento pentecostal. Muitos
grupos religiosos já aprenderam práticas semelhantes em outros contextos. O que
realmente distingue o pentecostalismo foi uma elaboração doutrinária que deu à
glossolalia uma centralidade teológica e litúrgica . Essa teologia, centrada na
experiência do batismo com o Espírito Santo , conferiu às características um
caráter de prova da santificação do crente e da presença ativa do Espírito
Santo na vida da Igreja. A glossolalia passou de um simples sinal de fervor
religioso para uma manifestação central, unificando e distinguindo o
pentecostalismo das demais vertentes cristãs.
Com essa ênfase doutrinária, o movimento se apoia
rapidamente, aproveitando a grande rede organizada do movimento santidade . Esta
rede de igrejas e missões de santidade , com suas raízes em uma espiritualidade
mais intensa e de experiências imediatas com Deus , foi a grande responsável
pela difusão do pentecostalismo, especialmente nos Estados Unidos e,
consequentemente, em outros países.
Fatores de Expansão Global
Além da força de sua doutrina e práticas, o pentecostalismo
encontrou um terreno fértil para sua expansão mundial através de fatores
sociopolíticos e comunicacionais . A presença de muitos missionários americanos
participantes fora dos Estados Unidos ajudou na propagação do movimento,
especialmente em regiões da América Latina, Europa e África. Essas missões
mantinham contatos diretos com os acontecimentos que ocorriam em Los Angeles e
em outros centros pentecostais no mundo, repassando essas novidades aos
cristãos de suas comunidades.
Outro fator importante foi o grande número de imigrantes que
se estabeleceram nos Estados Unidos vindos de diversas partes do mundo. Esses
imigrantes não apenas levaram o pentecostalismo de volta para seus países de
origem, mas também estabeleceram conexões com outros compatriotas que já se
deslocaram para outras partes do mundo. Isso formou uma rede transnacional de
movimentos pentecostais, possibilitando sua rápida expansão.
O Início do Pentecostalismo no Brasil
Quando o pentecostalismo chegou ao Brasil no início do
século XX, encontrou um contexto peculiar. Não havia grandes recursos
financeiros ou uma estrutura denominacional já estabelecida. O movimento foi
mais focado em uma última missão evangelística antes do fim do mundo — uma
característica do adventismo pentecostal — do que na organização institucional
das igrejas. Isso resultou em um movimento menos centralizado do que as missões
históricas do protestantismo, como as de inspiração luterana, presbiteriana ou
metodista, que promovem a criação de grandes organizações , com posição, normas
e instituições.
Dessa maneira, o pentecostalismo brasileiro, ao contrário de
outras formas de cristianismo protestante, desenvolveu um caráter mais
independente e independente, sem as relações de dependência com as denominações
missionárias que caracterizavam as igrejas protestantes tradicionais. Esse
aspecto de "autoctonia", de adaptação ao contexto brasileiro , foi um
dos fatores que ajudaram o movimento a crescer de forma acelerada no país,
atingindo rapidamente a classe trabalhadora e as camadas populares . A
flexibilidade do pentecostalismo, bem como sua ênfase em experiências diretas
com o Espírito Santo e sua natureza antiinstitucional ajudaram-no a se espalhar
de forma mais ágil e orgânica, atravessando barreiras sociais e regionais.
A Assembleia de Deus: Ética Sueco-Nordestina e Contexto
Histórico
UM Assembleia de Deus (AD) é um dos maiores movimentos
religiosos do Brasil, mas a compreensão de sua origem e ethos passa pelo
entendimento de duas realidades: suas raízes suecas e seu posterior
desenvolvimento no nordeste brasileiro. Essa interação cultural moldou
profundamente sua identidade, práticas e ethos religioso.
Raízes Suecas e o Movimento Pentecostal
O pentecostalismo encontrou espaço fértil na cidade de
Chicago , nos Estados Unidos, onde 75% da população era formada por imigrantes
ou descendentes de imigrantes no início do século XX. Entre esses grupos eram
escandinavos, como os suecos, que viviam em condições muitas vezes precárias e
enfrentavam exploração laboral e prejuízo social.
Na Suécia da época, o contexto não era mais promissor. O
país vive um período de estagnação econômica com baixa diferenciação social. As
reformas liberais apenas começaram a tomar forma em meados do século XIX,
incluindo a liberdade religiosa em 1860 e, mais tarde, a criação de um governo
parlamentar em 1905. O crescimento econômico sueco só se consolidou durante a
Primeira Guerra Mundial , que serviu como base para as transformações sociais e
econômicas subsequentes.
Mais de um milhão de suecos migraram para os Estados Unidos
entre 1870 e 1920. Muitos desses imigrantes abraçaram a mensagem pentecostal
por sua ênfase em experiências pessoais com Deus e pela praticidade espiritual
em contextos sociais adversos. Assim, o pentecostalismo sueco nasceu como
resposta à resistência religiosa , social e cultural, absorvendo
características de fervor e ascetismo que viriam a influenciar diretamente a
Assembleia de Deus no Brasil.
Trajetória no Nordeste Brasileiro
Embora tenha começado com missões nórdicas, como Gunnar
Vingren e Daniel Berg, a AD rapidamente se enraizou no nordeste brasileiro,
transformando seu ethos inicial. O Nordeste, uma região historicamente marcada
pela pobreza , desigualdade social e forte influência católica, foi o primeiro
espaço de expansão do movimento no Brasil. A necessidade de se conectar
culturalmente com a população local levou à adoção de uma prática ascética
rigorosa e de uma liturgia acessível.
A característica central desse ethos sueco-nordestino é uma
espiritualidade intensamente praticada no cotidiano, marcada pela simplicidade,
separação do "mundo" e um alto padrão moral. O trecho citado pelo
pastor José Wellington Bezerra da Costa, ao afirmar que os crentes da AD evitam
práticas como o uso de joias ou maquiagens, reflete uma tentativa de conservar
essa tradição ética e distinção espiritual.
Tensões e Institucionalização
Conforme a AD cresceu, começou a enfrentar o desafio da
institucionalização. O crescimento massivo trouxe mudanças culturais e
operacionais que tiveram foco interno. Como indicado pelo pastor Geremias de
Couto, essas mudanças geraram "deturpações dos postulados
históricos-pentecostais" , à medida que os desafios da institucionalização
impuseram adaptações à estrutura histórica e teológica do movimento.
A trajetória da Assembleia de Deus, partindo de raízes
suecas em Chicago até sua disseminação no nordeste brasileiro, revela um
movimento de profunda adaptabilidade . A combinação da síndrome ascética sueca
e da espiritualidade fervorosa nordestina criou uma identidade única que moldou
as práticas e os valores da denominação no Brasil. Essa herança permite
compreender não apenas suas práticas religiosas, mas também os desafios
enfrentados por um movimento que cresce em número e complexidade enquanto busca
manter sua essência original.
Liberdade Religiosa e Padrão Escandinavo no Contexto
Pentecostal
Na virada do século XIX para o XX, a liberdade religiosa nos
países escandinavos, embora formalmente reconhecida, ainda era limitada em
termos práticos. A presença de uma igreja estatal luterana com altíssimo índice
de adesão formal (cerca de 95%) dominava o cenário religioso. Nesse sistema, a
religião funcionava mais como um sentimento cultural do que como prática ativa
e comunitária, e a pluralidade religiosa era marginal.
Características da Religião Escandinava
Igreja Estatal Monolítica:
A Igreja Luterana Estatal possuía controle formal sobre
quase toda a população, especialmente por meio dos ritos de passagem (batismo,
casamento e funeral).
Essa adesão, no entanto, não indicava envolvimento prático:
apenas cerca de 5% das pessoas participavam regularmente das atividades
religiosas.
Pluralismo Interno:
Em vez de pluralismo institucional (como nos contextos
anglo-americanos), predominava o pluralismo interno na forma de movimentos
pietistas e espiritualistas, como os batistas, que surgiram apenas na segunda
metade do século XIX e eram pequenos e enfraquecidos.
Aliança Religião-Estado:
Diferentemente da Igreja Católica em países de forte
tradição católica, a Igreja Luterana era mais subordinada ao Estado. Esse
vínculo criou uma instituição maleável às mudanças políticas e sociais impostas
pela modernidade.
Polarização Sociopolítica:
Enquanto o clero formado nas universidades ocupava um papel
de alta prestígio na estrutura estatal, as periferias religiosas frequentemente
se associavam à centro-direita, contrapondo-se à social-democracia
metropolitana dominante, especialmente quando esta carregava elementos
anticlericais e marxistas em sua origem.
Impacto na Expansão do Pentecostalismo
Esse contexto escandinavo foi fundamental para moldar o
ethos de grupos que mais tarde desenvolveram para o pentecostalismo, como os
pioneiros suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, que trouxeram essas
características ao Brasil:
Ascetismo e Espiritualidade Prática:
A religiosidade luterana escandinava, desprovida de emoção
comunitária, abriu espaço para expressões mais fervorosas de espiritualidade
prática e pessoal, como as vistas no pentecostalismo.
Fragilidade de Denominações Dissidentes:
A ausência de igrejas dissidentes fortes criou oportunidades
para o pentecostalismo ocupar um lugar entre as populações que buscavam
alternativas religiosas, especialmente os migrantes.
Conexão com as Periferias:
O pentecostalismo manteve uma ligação natural com as
periferias sociopolíticas escandinavas, expandindo-se entre populações
marginalizadas e descontentes, um padrão que seria replicado em suas missões no
exterior, inclusive no Brasil.
O padrão escandinavo de relação entre religião e sociedade
preparou o terreno para o surgimento de alternativas religiosas como o
pentecostalismo. A combinação de uma religião institucional enfraquecida,
dissidências emergentes e comunidades periféricas desenvolveram um contexto
fértil para o crescimento de expressões fervorosas e práticas da fé cristã,
moldando significativamente o pentecostalismo que, posteriormente, cruzaria
fronteiras e se enraizaria em países como o Brasil.
O Contexto Sueco e o Surgimento do Pentecostalismo
A Suécia do final do século XIX e início do XX apresenta um
contexto social, cultural e religioso muito diferente do denominacionalismo
encontrado nos Estados Unidos. A predominância da Igreja Luterana estatal e a
repressão às pequenas dissidências protestantes tornaram o ambiente pouco
favorável à pluralidade religiosa e à expressão explícita de movimentos
divergentes, como os batistas ou os pentecostais.
Marginalização das Dissidências Religiosas
Batistas e sua Emigração:
Muitos batistas suecos, enfrentando restrições e
marginalização, buscaram melhores condições no exterior, especialmente nos
Estados Unidos, onde a liberdade religiosa era mais protegida.
Aqueles que se apoiaram na Suécia ocuparam uma posição
periférica e reprimida no panorama religioso local.
Consolidação Pentecostal:
Foi dentro desse ambiente limitado e homogêneo que o
pentecostalismo começou a se firmar. Herdando elementos da tradição batista, o
movimento rapidamente sobrepujou essas denominações dissidentes menores, confirmando
uma tendência observada por David Martin : em culturas de tradição luterana, a
dissidência explícita chega tardiamente, mas tende a adquirir um forte
componente pentecostal .
A Influência dos Missionários Suecos no Brasil
Os missionários suecos que desempenharam um papel crucial
nos primeiros 40 anos da Assembleia de Deus (AD) no Brasil tinham suas raízes
em um contexto de marginalização social e religiosa:
Insignificância Numérica na Suécia:
Pertenciam a uma minoria religiosa insignificante em sua
terra natal, onde a hegemonia luterana e o conservadorismo cultural deixavam
pouco espaço para novas expressões da fé cristã.
Essa condição foi preparada para lidar com contextos de
adversidade e exclusão, como a encontrada no Brasil, especialmente em regiões
de população pobre e marginalizada.
Adaptação e Resiliência:
O pentecostalismo sueco incorporava práticas e doutrinas que
enfatizavam a experiência pessoal com Deus, a simplicidade da fé e o
fortalecimento comunitário, características que encontraram em terreno fértil
no Brasil.
Os missionários suecos trouxeram consigo um ethos de
trabalho diligente e desapego material, características que marcaram o início
da AD no país.
A experiência de marginalização vivida pelos pentecostais
suecos em sua terra natal teve um impacto direto na maneira como moldaram o
pentecostalismo no Brasil. Sem a pretensão de criar grandes estruturas e
instituições, os missionários suecos promoveram uma espiritualidade adaptável e
prática, que rapidamente se enraizou e expandiu no contexto brasileiro,
especialmente entre os setores menos favorecidos da sociedade.
Os Missionários Suecos e o Desenvolvimento da Assembleia de
Deus no Brasil
As missões suecas que influenciaram profundamente os
primeiros quarenta anos da Assembleia de Deus (AD) vieram de um país
marcadamente homogêneo, centralizado e culturalmente cosmopolita, onde uma
dissidência religiosa era restrita. Essa origem moldou um perfil missionário
bastante distinto, com características que refletiram sua experiência de
exclusão social e marginalização religiosa na Suécia.
Contexto Religioso e Social Sueco
Homogeneidade e Marginalização Religiosa:
A Suécia no início do século XX era dominada pela Igreja
Luterana estatal , que monopolizava aspectos religiosos e culturais, com status
elevado na sociedade.
A burocracia estatal estava profundamente ligada ao clero
luterano, dificultando a existência e a expressão de minorias religiosas como
batistas e pentecostais.
As missões suecas pertencem a uma minoria religiosa
insignificante , formada por grupos dissidentes marginalizados e distantes do
status político ou cultural dominante.
Rejeição ao Clero Liberal e à Cultura Secular:
Os pentecostais suecos rejeitaram tanto o clero luterano
culto e liberal quanto o secularismo que permeava a crescente social-democracia
na Suécia.
Adotavam uma religião leiga e contracultural , caracterizada
por fervor espiritual e desconfiança do anti-intelectualismo estatal .
Características dos Missionários Suecos
Postura Modesta e Antiinstitucional:
A experiência de marginalização moldou nos suecos uma
postura de humildade, martírio e resistência cultural, que os distanciava do
modelo institucionalista americano .
Enquanto os missionários americanos buscavam criar grandes
redes de instituições alternativas, os suecos não tinham essa aspiração. Sua
atuação foi marcada pela simplicidade e modéstia social, desprovida de
preocupação com ascensão ou controle político.
Religiosidade Contracultural:
Acostumados a um Estado unitário centralizado , onde não
tinham meios de competir com o estabelecimento cultural dominante, os
missionários suecos enfatizavam a fé fervorosa e a erudição teológica como
ferramentas espirituais.
Sua religião foi um reflexo de resistência cultural , em vez
de tentativa de integração social.
Impacto no Brasil
Adaptação ao Contexto Nacional:
Diferente dos americanos, que buscavam expandir seu modelo
institucional, os suecos trouxeram um ethos de missão abertura e simplicidade ,
permitindo à AD maior flexibilidade para se adaptar à cultura e às lideranças
locais.
Essa postura resultou na rápida nacionalização da liderança
da AD, com significativa liberdade de desenvolvimento sob controle dos
brasileiros.
Condições Econômicas:
Embora um falta de recursos dos suecos fosse uma limitação
inicial, também era uma vantagem: eles não impunham estruturas pesadas nem
construíam relações de dependência, como aconteceu com muitas missões
históricas.
Essa liberdade favoreceu o crescimento independente da AD no
Brasil, ajustando-se ao dinamismo econômico e social das regiões onde atuaram.
Comparação com Missionários Americanos
Diferença na Relação com as Instituições:
Enquanto os americanos replicavam instituições liberais em
moldes alternativos para seus grupos, os suecos traziam uma atitude
antiinstitucional , refletindo sua experiência de marginalização.
Mentalidade e Postura:
Os americanos foram influenciados por um modelo de
conquista, expansão e mobilização de recursos.
Os suecos , por outro lado, tinham uma postura de
resistência e sacrifícios , moldada pelas dificuldades de operar em uma
sociedade centralizada e de importância como a sueca.
A postura contracultural e a simplicidade dos missionários
suecos não apenas ajudaram a moldar os primórdios da Assembleia de Deus no
Brasil, mas também facilitaram seu enraização e expansão. Essa experiência
inicial se destacou por sua liberdade frente às influências externas e sua
adaptação ao contexto local, em contraste com o denominacionalismo
institucionalizado trazido por missões americanas.
A Influência Sueca na Formação da Assembleia de Deus no
Brasil
A Assembleia de Deus (AD) no Brasil é um reflexo direto do ethos
missão de seus fundadores suecos, que trouxeram uma abordagem moldada tanto por
sua posição marginalizada na Suécia quanto pelas condições sociais e culturais
que retornaram no Brasil. Essa perspectiva resultou em características únicas
na formação e no crescimento da AD.
Fatores Socioeconômicos e Simplicidade Missionária
Ausência de Recursos Abundantes:
Os missionários suecos vieram de um país relativamente pobre
e, consequentemente, não dispensaram recursos financeiros para construir
grandes instituições ou exercer controle sobre a igreja brasileira.
Isso impossibilitou que a AD fosse centralizada ou dirigida
por um modelo de dependência externa .
Exemplo de Vida Simples:
A vida das missões era marcada pela simplicidade , o que
influenciou profundamente a primeira geração de líderes brasileiros, que também
adotaram um estilo de vida despretensioso.
Essa postura ajudou a evitar um aburguesamento precoce da
igreja, mantendo sua base comunitária e próxima das necessidades de seus
membros.
Educação e Rejeição ao Clero Diferenciado
Modelo Antielitista:
Diferentemente de outras missões protestantes, os suecos
rejeitaram a ideia de um clero altamente educado e formalizado.
Em vez disso, destacaram a formação de uma comunidade
igualitária , composta por pessoas socialmente restauradas, tanto na Suécia
luterana quanto no Brasil católico.
Fase Bíblica:
Embora fossem de um país protestante e valorizassem o
conhecimento bíblico, resistiam a uma ênfase exagerada no aprendizado formal ou
teológico sofisticado.
A centralidade era a palavra escrita e a prática cristã ,
reforçando a acessibilidade da fé e incentivando a inclusão.
Ministério Inclusivo e Participativo:
A ausência de distinção hierárquica entre o clero e os
membros favoráveis o surgimento de lideranças locais e ampliou o senso de
pertencimento da fidelidade.
Rejeição ao Abuso
Identificação com os Marginalizados:
Por serem, eles próprios, uma minoria marginalizada na
Suécia , os missionários suecos entenderam e se solidarizaram com a exclusão
social enfrentada pelos brasileiros das classes mais baixas.
Isso tornou a AD uma igreja que dava voz aos socialmente
excluídos , em vez de importar uma estrutura distante e elitista.
Adaptação ao Contexto Brasileiro:
Em um Brasil dominado por profundas desigualdades sociais, o
ethos sueco de simplicidade encontrou um ambiente fértil para o crescimento da
AD, que atende às necessidades espirituais e comunitárias de populações
marginalizadas.
Oportunidades e Liberdade Organizacional
Autonomia Brasileira:
A ausência de instituições grandiosas controladas pelas
missões autorizadas que a liderança brasileira teve liberdade para moldar a
igreja de acordo com as demandas locais .
Essa abordagem não apenas garantiu a nacionalização da AD,
mas também garantiu sua resiliência em um contexto brasileiro diverso e
desafiador.
Rejeição do Controle Institucional Externo:
Sem forte influência estrangeira ou luta pelo domínio de
grandes instituições, a AD conseguiu evitar conflitos internos de poder , o que
favoreceu seu desenvolvimento orgânico.
A AD se destacou como um exemplo de adaptabilidade
missionária e de igreja autóctone devido à postura contracultural e humilde de
suas missões fundadores suecos. Essa abordagem, marcada pela simplicidade, pelo
foco na igualdade comunitária e pela excluída à centralização institucional,
permitiu que a AD se tornasse uma das tendências evangélicas mais dinâmicas e
influentes do Brasil, conectada às necessidades de seus membros e adaptada à
realidade do país.
Gunnar Vingren e Daniel Berg: Os Fundadores da Assembleia de
Deus no Brasil
A história dos pioneiros Gunnar Vingren e Daniel Berg é
emblemática, refletindo o esforço missionário, as origens humildes e o caráter
visionário que marcaram o surgimento da Assembleia de Deus (AD) no Brasil.
Juntos, formaram uma dupla complementar que, com sacrifícios e determinação,
lançou as bases de um dos maiores movimentos evangélicos no país.
Gunnar Vingren: O “Proletário Intelectual”
Nascimento e Primeiros Anos:
Sua educação formal foi interrompida aos 11 anos por
questões econômicas, e ele começou a trabalhar como planejado.
Imigração para os Estados Unidos:
Em 1903, aos 24 anos, Vingren seguiu os passos de familiares
que emigraram para os Estados Unidos, onde trabalhou em serviços manuais e
começou a frequentar uma igreja batista sueca.
Educação e Transição para o Pentecostalismo:
Em Chicago, possivelmente com apoio financeiro da igreja,
ele estudou em um seminário batista. Após concluir os estudos, tornou-se pastor
de uma igreja batista sueca.
Durante esse período, Vingren desenvolveu a fé pentecostal,
influenciada por outros avivamentos nos EUA. Ele é uma inovação na congregação
que pastoreava, mudando-a em uma igreja pentecostal.
Daniel Berg: O Operário Robusto
Infância e Juventude:
Daniel Berg nasceu no sul da Suécia em 1884, filho de um
líder batista. Sua família também era devota e não estava envolvida no
movimento protestante.
Em 1902, aos 18 anos, emigrado para os Estados Unidos, onde
aprendeu o ofício de fundidor de aço e se distribuiu como operário.
Conversão ao Pentecostalismo:
Pethrus desempenharia um papel fundamental no
pentecostalismo sueco, mais tarde fundando um partido político e contribuindo
para a expansão do movimento. Essa influência impactou profundamente Berg.
A Formação da Dupla
Vingren e Berg conheceram os Estados Unidos, compartilhando
experiências em igrejas batistas e pentecostais e sentindo o chamado para
missões no exterior.
Complementaridade:
Enquanto Berg, com sua força física e habilidades práticas,
se dedicava a sustentar os dois financeiramente e a realizar viagens
missionárias ao interior, Vingren usava sua formação teológica e sua capacidade
intelectual para ensinar e pregar.
Essa dinâmica foi essencial nos primeiros anos em Belém do
Pará, onde fundaram a Assembleia de Deus em 1911.
Primeiros Passos no Brasil
Ao chegarem a Belém, em 1910, enfrentaram desafios culturais
e econômicos:
Adaptação e Sustentação:
Berg trabalhou como fundidor, enquanto Vingren frequentava
aulas de português e se dedicava à evangelização.
Primeiros Contatos:
Inicialmente, frequentaram uma igreja batista em Belém, mas
logo começaram a pregar a mensagem pentecostal, o que gerou um cisma com a
liderança local.
Essa divisão levou à formação de um grupo independente, que
mais tarde seria formalizado como Assembleia de Deus.
Legado e Impacto
A história de Gunnar Vingren e Daniel Berg é um testemunho
de perseverança e fé. Seu modelo de missão, baseado em simplicidade e trabalho
árduo, moldou a identidade da Assembleia de Deus como um movimento voltado para
as classes populares e marcado por um estilo de liderança participativa e
comunitária.
Seus esforços lançaram as bases para o crescimento
exponencial do pentecostalismo no Brasil, tornando a Assembleia de Deus uma das
maiores denominações evangélicas do mundo.
A chegada de Gunnar Vingren e Daniel Berg ao Brasil, guiada
por uma profecia aparentemente misteriosa, revela a conexão entre influências
espirituais e contextos históricos e sociais que marcaram os primórdios da
Assembleia de Deus (AD). A história de como os dois missionários suecos vieram
para no Pará traz implicações que ajudaram a moldar a igreja como a encontros
hoje.
Lewi Pethrus e sua Influência no Movimento
Lewi Pethrus, um amigo de infância de Daniel Berg,
desempenhou um papel essencial na propagação do pentecostalismo sueco e na
missão no Brasil.
Conversão ao Pentecostalismo: Após uma crise de fé enquanto
estudava em um seminário batista, Pethrus experimentou uma renovação espiritual
ao se engajar no movimento pentecostal.
Atuação em Estocolmo: Em 1910, assumiu o pastorado de uma
igreja batista em Estocolmo, que foi restauração da denominação em 1913 devido
ao alinhamento com a fé pentecostal.
Apoio à Missão no Brasil: Esse rompimento ajudou que a
igreja liderada por Pethrus direcionou esforços de missões independentes,
incluindo apoio financeiro ao trabalho iniciado por Berg e Vingren. A igreja
também enviaria outras missões suecas ao Brasil, consolidando a expansão do
pentecostalismo no país.
A Trajetória de Gunnar Vingren e Daniel Berg no Brasil
Gunnar Vingren e Daniel Berg, figuras centrais na fundação
da Assembleia de Deus no Brasil , enfrentam desafios extremos em sua missão
inicial. Suas histórias refletem a determinação e a simplicidade que marcaram a
fundação do maior movimento pentecostal brasileiro.
A Chegada ao Brasil (1910)
Sem sustentação financeira fixa, Vingren e Berg viajaram
para Belém do Pará impulsionados pela fé e por uma profecia. Recursos para a
viagem foram obtidos com doações da igreja batista sueca em Chicago, enquanto
no Brasil eles sustentaram seu ministério com trabalho manual e vendas de
Bíblias. Nos primeiros meses, congregamos na Igreja Batista de Belém ,
pastoreada por outro sueco, Erik Nilsson. Porém, a pregação pentecostal causou
tensão entre os batistas, resultando na exclusão de 19 membros da igreja, que
formaram a Missão de Fé Apostólica .
Primeiros Passos e Consolidação
Relação com a Suécia: Embora a obra tenha iniciado de forma
independente, os vínculos com a Missão Sueca Livre , organizada por Lewi
Pethrus entre 1915 e 1917, foram essenciais nos primeiros anos. A Suécia trouxe
apoio financeiro e invejosos, fortalecendo a base do trabalho iniciado no
Brasil.
Adoção do Nome Assembleia de Deus: Por volta de 1917, o
movimento introduziu o nome Assembleia de Deus, consolidando sua identidade no
cenário pentecostal.
Expansão Inicial (1914-1930)
Nos primeiros anos, a Assembleia de Deus teve um crescimento
lento, concentrando-se principalmente no Norte e Nordeste. Os esforços não eram
centralizados, e grande parte da expansão deve-se a leigos e migrantes que levaram
o pentecostalismo a novas regiões. Em 1930, a igreja já estava presente em
quase todos os estados brasileiros, com as seguintes características:
Presença em Capitais: A expansão começou nas grandes
cidades, onde havia maior receptividade à mensagem pentecostal.
Colaboração de Outros Protestantes: Os líderes iniciais
frequentemente eram convertidos de outras denominações.
Autonomia e Mudança para o Rio de Janeiro
O ano de 1930 foi um marco na história da Assembleia de
Deus:
A nacionalização da liderança desvinculou a igreja da Missão
Sueca, estabelecendo um movimento genuinamente brasileiro.
A transferência da sede para o Rio de Janeiro , então
capital federal, reforçou o papel da Assembleia de Deus no contexto urbano e
contribuiu para sua expansão em regiões metropolitanas.
Liderança e Contribuições dos Missionários Suecos
Os missionários suecos foram fundamentais para a formação
inicial da Assembleia de Deus no Brasil. Contudo, suas características também
moldaram a igreja em aspectos relevantes:
Resistência ao Clericalismo: Por serem minoritários na
Suécia, as missões tinham uma visão de simplicidade e um pouco apego a
estruturas clericais complexas.
Autossuficiência: Falta de recursos externos investidos para
a autossustentação e a independência da igreja no Brasil.
Ênfase na Formação Nacional: Ao priorizar a inclusão de
líderes locais, os suecos desenvolvem para a rápida adaptação e crescimento da
igreja no país.
O Legado
Quando Vingren e Berg retornaram à Suécia para o fim de suas
vidas, a Assembleia de Deus já estava consolidada no Brasil. Apesar de a
influência missionária ter sido declinada nos anos 1950, o legado dos pioneiros
foi:
Base sólida de fé pentecostal.
Simples organização estrutural.
Espírito sonoro vibrante.
Hoje, a Assembleia de Deus é uma das maiores denominações
evangélicas do mundo, diretamente ligada ao esforço desses dois homens e ao
apoio das redes pentecostais suecas.
A Primeira Convenção Geral da Assembleia de Deus – Natal,
1930
A realização da primeira Convenção Geral da Assembleia de
Deus , em Natal, 1930, marcou um momento histórico para a igreja pentecostal no
Brasil. Esse evento não foi apenas um marco de organização, mas também de
transferência gradual da liderança das mãos missionárias suecas para líderes
brasileiros.
Um Ato de Desprendimento
Durante a convenção, foi decidido que todos os templos e
salões pertencentes à missão sueca seriam entregues oficialmente às roupas
brasileiras. Este gesto simbolizava mais uma transferência de propriedades:
representava um compromisso com a autonomia das congregações locais e um
rompimento com as estruturas hierárquicas mais características de missões
tradicionais protestantes.
Conflitos e Tensões do Processo de Nacionalização
A nacionalização, porém, não aconteceu sem compromisso,
tanto do lado dos compromissos quanto dos líderes brasileiros:
Os Brasileiros: Muitos sentiram que o processo de entrega da
administração era lento, o que causava frustração e sensação de exclusão.
Os Missionários: Viviam um dilema entre manter a autonomia
local das congregações e organizar uma igreja em nível nacional, algo
necessário para facilitar sua expansão no Brasil.
O próprio Lewi Pethrus reconhecia que as ações nem sempre
condiziam com o ideal desejado, declarando:
"Na prática, quase sempre chegamos a uma situação
bastante àquilo que desejávamos."
Para lidar com essas dificuldades, muitas missões foram
transferidas para o Sul do Brasil , uma região onde o trabalho ainda era
recente, enquanto o Norte e o Nordeste tinham líderes brasileiros mais
estabelecidos.
A Nacionalização e Suas Marcas
Esse processo deixou marcas profundas na Assembleia de Deus:
Identidade Regional: Com raízes ocasionais principalmente no Norte e Nordeste, grande parte da liderança nacional surgiu nessas regiões. Isso moldou a igreja com características da sociedade patriarcal e rural desses lugares, onde prevaleceu um ethos conservador e tradicional.
Autonomia e Centralização: Enquanto o pentecostalismo sueco
prezava pela autonomia local, a liderança brasileira, influenciada pelo
contexto cultural, carregava uma tendência autoritária . Essa dualidade marcou
a igreja com um equilíbrio delicado entre independência congregacional e uma
direção centralizada.
Transformação Social: A experiência inicial da igreja,
marcada pela marginalização cultural e econômica, ajudou a consolidar uma
identidade resiliente, que resistia tanto ao clericalismo como ao alinhamento
com as classes dominantes.
O Reflexo na Igreja Hoje
Mesmo décadas depois, as características forjadas na década
de 1930 permaneceram evidentes na Assembleia de Deus:
UM alta proporção de líderes nordestinos na estrutura
nacional.
O ethos pastoral e administrativo que ainda reflete traços
das primeiras décadas de marginalização cultural e das características
regionais do Norte e Nordeste.
Uma igreja que mantém tanto sua autonomia congregacional
quanto uma forte organização nacional, destacando-se como uma das maiores e
mais influentes instituições pentecostais do mundo.
A decisão de transferir templos e responsabilidades às
igrejas brasileiras durante a primeira Convenção Geral de 1930 foi um passo
crucial para consolidar a Assembleia de Deus como um movimento genuinamente
nacional e abriu caminho para sua impressionante expansão em todas as regiões
do Brasil.
O Contato Internacional da Assembleia de Deus com os Estados
Unidos
A relação da Assembleia de Deus brasileira com os Estados
Unidos nas últimas décadas foi marcada por períodos de aproximação moderada e
conflitos de adaptação cultural e administrativa.
Chegada dos Primeiros Missionários Americanos
A primeira missão americana da Assembleia de Deus chegou ao
Brasil em 1934. Contudo, a facilidade por parte dos missionários suecos, que
lideraram a igreja até então, foi limitada. Os principais motivos dessa
resistência foram:
Diferenças financeiras: A chegada de missões americanas
frequentemente mostrava um contraste cultural significativo. Por exemplo, o
desembarque de uma missão em 1939 com um Chevrolet do ano e seu aluguel em
Copacabana representavam um padrão de vida muito distinto em relação às missões
suecas e à realidade local.
Educação teológica: A ênfase americana em estudos formais e
em seminários foi percebida como uma prática estrangeira pelos suecos e
brasileiros. Isso contrastava com o modelo mais simples e prático defendido
pelas missões suecas, focado no trabalho bíblico direto e nas congregações
locais.
Diferenças culturais e de costumes: Tabus comportamentais
foram levados mais a sério no Brasil e na Suécia, enquanto o pentecostalismo
americano, a partir da Grande Depressão dos anos 1930, começou a relaxar regras
em questões sociais e comportamentais em busca de relevância prática. Isso
gerava conflitos, pois missões americanas eram vistos como "mandões"
por lideranças locais, que enxergavam nessas atitudes de superioridade.
Expansão Durante os Anos 1970
O auge da presença americana ocorreu nas décadas de 1970,
com cerca de 20 famílias missionárias presentes no Brasil. No entanto, a sua
influência foi limitada, em parte por questões financeiras. A Assembleia de
Deus no Brasil, já amplamente nacionalizada e consolidada, era menos dependente
de apoio externo.
"Os suecos trouxeram doutrina, os americanos trouxeram
dólares."
Por outro lado, houve esforços pontuais de cooperação:
Cruzadas Evangelísticas: Missionários americanos com
ministérios evangelísticos, especialmente aqueles que cresceram no Brasil ou
tiveram experiência local, obtiveram algum destaque.
Educação Teológica: Apesar da resistência inicial, a
colaboração em seminários e institutos bíblicos começou a crescer, mas sempre
respeitando as sensibilidades locais.
A Relação no Contexto Atual
Hoje, o contato entre a Assembleia de Deus brasileira e
americana é limitado, assumindo um papel quase simbólico . Alguns pontos que se
destacam:
Interesses de arrecadação nos EUA: É estratégico para roupas
e organizações americanas associar-se à AD brasileira, a maior Assembleia de
Deus do mundo. Isso reforça a ideia de expansão global e permite levantar
fundos nos Estados Unidos.
Autonomia brasileira: A AD brasileira, fortalecida em sua
nacionalização, já não depende de missões estrangeiras para suas iniciativas.
Embora as Assembleias de Deus brasileiras e americanas
compartilhem uma conexão histórica e teológica, as diferenças culturais e
financeiras limitaram uma interação mais profunda. O legado dessa relação está
marcado mais por cooperação eventual do que por uma integração contínua e
estruturada.
Conclusão
A história da Assembleia de Deus (AD) no Brasil é marcada
por um contexto singular de relações internacionais, principalmente com os
missionários suecos e, posteriormente, com os americanos. A chegada dos
missionários suecos foi segura para o estabelecimento e crescimento inicial da
AD no país, proporcionando a formação de uma base cristã pentecostal simples e
resiliente, nascida de um contexto de marginalização religiosa e cultural.
Essas missões, com sua visão leiga e contracultural, contribuíram para uma construção
mais independente e descentralizada da igreja, permitindo que a AD evitasse os
modelos organizacionais autoritários e de execução típica de outras
denominações protestantes.
O desenvolvimento da AD no Brasil também refletiu a
influência de suas próprias lideranças nativas, como Gunnar Vingren e Daniel
Berg, que se tornaram pioneiros essenciais para a expansão do movimento
pentecostal, focando mais na prática e na criação de uma comunidade do que em
métodos teológicos formais. Essa abordagem simples, combinada com a resistência
ao aburguesamento, permitiu à igreja crescer em liberdade e alcançar um grande
número de pessoas nos anos seguintes, mesmo diante de limitações financeiras e
culturais.
Na transição para uma nacionalização maior da AD, marcada
pela mudança de sede da igreja de Belém para o Rio de Janeiro em 1930 e pela
desaceleração da presença de missões suecas, observamos que a igreja se tornou
mais independente e com raízes cada vez mais profundas no território
brasileiro. A partir da década de 1950, a Igreja no Brasil já era uma potência
pentecostal em termos de número de membros, suplantando, por vezes, outras
denominações que cresceram mais lentamente, como a Congregação Cristã no Brasil.
A igreja passou a ser essencialmente brasileira, embora ainda mantivesse uma
ligação, embora tênue, com as suas origens suecas e a imigração de outras
nações, como os Estados Unidos.
O contato com os missionários americanos trouxe tantos
desafios quanto ao aprendizado, com um foco em instituições e educação
teológica que nem sempre estavam alinhados à visão mais simples e espontânea
dos suecos. Ao longo do tempo, no entanto, o crescimento e a independência da
Assembleia de Deus no Brasil, tanto em sua base territorial como em sua
organização e prática, demonstraram que a AD no Brasil descobrira absorver
influências externas, mas consolidar-se como uma realidade espiritual e
culturalmente único.
Hoje, a Assembleia de Deus brasileira é a maior denominação
pentecostal do mundo, com impressionantes 22,5 milhões de membros, um reflexo de sua capacidade de se adaptar e prosperar no
Brasil, mantendo uma identidade profundamente enraizada em sua história e
origem pentecostal, mesmo que sua relação com as fontes externas de
financiamento e apoio tenha diminuído ao longo dos anos. As suas raízes suecas,
sua expansão pelo país e a integração de lideranças locais construíram um
legado único, que permanece influente na igreja brasileira até os dias de hoje.
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